Em um primeiro momento, confesso que “Waves” me tapeou. Uma Flórida ensolarada, jovens sorrindo, cores e amor no ar, a câmera girando. O novo filme de Trey Edward Shults (“Ao Cair da Noite”), porém, se transforma de uma hora pra outra em um drama competente com efeito dominó que culmina em uma tragédia. Fala sobre erros da juventude, masculinidade tóxica, pressões familiares e o que a falta de confiança e do diálogo pode trazer de pior.
Nesta construção, o diretor ainda se permite realizar experimentações com cores e trilha sonora, onde se propaga um mergulho mais aprofundado nos sentimentos de seus personagens. Se a superfície aparenta tudo bem, no fundo, os alicerces desta realidade estão prestes a ruir.
“Waves” acompanha a família de Ronald (Sterling K. Brown). Com disciplina e responsabilidade, ele cuida dos filhos Tyler (Kelvin Harrison Jr.) e Emily (Taylor Russell McKenzie), tendo a ajuda da esposa Catherine (Renée Elise Goldsberry). Com a educação dos filhos bem encaminhada e, em breve, ambos indo para a faculdade, ele ainda se mantém alerta principalmente com o filho, com certa severidade desmedida.
Sempre fazendo questão de reforçar seus pontos, principalmente por serem negros, se tornam naturais no decorrer da história colocações como “não podemos nos dar ao luxo de ser medianos” ou “temos que ralar dez vezes mais!”. Tyler ainda sente a pressão aumentar a partir do momento que sua namorada engravida. Em um ponto de virada mergulhamos na história de Emily, que sentindo um impacto de uma tragédia, ainda inicia um namoro com o jovem Luke (Lucas Hedges).
MUITO ALÉM DE UM NOVO ‘MOONLIGHT’
Fazendo um paralelo entre a história dos dois irmãos, é interessante notar como Shults utiliza as mesmas cores e até movimentos de câmera, mas em situações diferentes. Ambos carregam uma certa carga de melancolia, mas, por diferentes razões. Se Tyler participa de festas e encontra namorada para fugir da sombra da cobrança do pai, Emily sofre com o luto, buscando manter a família unida e aplicar as lições aprendidas com os problemas do irmão.
E ainda acrescentando na construção dos sentimentos e como reflexão das situações, o diretor introduz canções que organicamente se incorporam à narrativa, aumentando sua profundidade. Mesmo sendo um pouco excessivas, elas colaboram bastante no desenvolvimento dos personagens. Além das músicas, a trilha sonora, composta por Trent Reznor e Atticus Ross (“A Rede Social”), complementam a atmosfera reflexiva.
Falar um pouco mais sobre a história do filme, seria entregar muitos spoilers cruciais para a experiência de quem assiste. “Waves” ganha ainda mais força com o elenco excelente. Sterling K. Brown (“Predador” e “This is Us”) transborda emoção ao descobrir uma tragédia e em uma conversa com a filha.
Apesar de até lembrar visualmente com “Moonlight”, de Barry Jenkins, a semelhança fica apenas nisso. Pode vir a ser considerado excessivo, pois, o diretor não resiste e mantém um corte que acredito se estender um pouco mais do que o necessário. Alguns minutos a menos com certeza contribuiriam para uma melhor fluidez.
Por fim, não poderia deixar de elogiar a A24 por revelar e encorajar uma nova safra de diretores. Com um cinema repleto de blockbusters e filmes cada vez mais abraçando o lado comerciais, é um alívio ver produções preocupadas em contar boas histórias. “Waves” é visualmente bonito, mas, no fim, não deixa também de partir corações.