Quero falar hoje de uma forma de trama cinematográfica que ficou conhecida como thriller, naquele elenco de gêneros que orienta a produção mercadológica do cinema-indústria. Desde o momento em que o cinema percebeu que contar histórias era o apelo primordial de valorizar a invenção, atrair pessoas e ganhar dinheiro, que as tramas procuram envolver os espectadores numa complexa teia de acontecimentos capazes de promover uma intensa excitação e nervosismo. Quando isso levou o espectador a elevar a trama, em seus momentos decisivos, a um grau de algo insuportavelmente urgente e perturbador, estavam criadas as bases do suspense no cinema. Thriller e suspense são duas categorias, portanto, intimamente relacionadas e foram capazes de gerar filmes de ótima qualidade. (Houve um momento do cinema que o thriller passou a se vincular forçosamente ao chamado cinema policial, mas essa é outra interpretação).

Este gênero é capaz de provocar no espectador uma constante dúvida sobre o desfecho das ações da trama, sobre o destino das personagens, onde a sugestão verossímil, mas enganosa, de expectativas, coloca à prova toda sua perspicácia, crença, ingenuidade ou afetividade. É nesse grau de incertezas e dúvidas que o gênero thriller detém sua característica principal e se confunde com o filme de suspense. Este é, portanto, um dos gêneros onde a tensão dramática se torna mais forte e as expectativas narrativas são desafiadas.

Desafio é exatamente o que nos propõe um filme que assisti no início do ano passado e que me marcou por sua trama inquietante. Penso que não transitou normalmente nos cinemas brasileiros, quiçá nos de Manaus. Seu título é “Coerência”, do norte-americano James Ward Byrkit, realizado de forma independente em 2013. Exatamente porque nos propõe uma história mista de drama, suspense e ficção científica, sem nunca precisar o gênero, o filme faz com que o espectador permaneça ligado a cada momento, cada fala, cada olhar e ação de todos os personagens.

Já em seu início, ao sugerir o que mais pode existir de ficção científica no filme, a passagem de um cometa muito próximo a Terra, faz com que o mistério cósmico que sempre acentuou a debilidade e a subordinação humanas se destaque nos personagens e seja o que os leva aos conflitos. Nessa noite, um grupo de oito amigos se reúne para um jantar na casa de um deles e a passagem do cometa será o provocador das diferenças, rusgas e conflitos entre eles. A partir do momento em que a luz se apaga – e não só na casa, mas em todo o entorno -, fatos estranhos acontecem. Não dá pra dizer muito mais sem revelar o que há de melhor no filme: exatamente as dúvidas, as (falsas) expectativas, a confusão do desenrolar da trama.

O diretor afirmou em entrevista que se baseou numa estranha teoria da física quântica – o “Gato de Schrödinger”, um experimento onde se coloca um gato dentro de uma caixa junto de um frasco de veneno que pode ser quebrado a qualquer momento; o animal pode estar vivo e morto ao mesmo tempo – para compor seu roteiro. Complexa teoria que provocará incertezas nos espectadores, mas que oferecerá ao mesmo tempo momentos de tensão na busca da compreensão da trama. Ouso dizer que somente uma nova visualização do filme nos provocará certa sensação de conforto e relaxamento.

Enfim, se o título do filme é “Coerência”, a trama pode transparecer em vários momentos como incoerente. Mas, indiscutivelmente, há uma intensa coerência na construção do roteiro e no acerto de suas propostas. A conferir, onde puderem.