Às vezes as pessoas só querem fugir. Dos seus mundos, do que lhes é familiar, e não importa tanto o destino ou objetivo. Star, a protagonista de Docinho da América, é alguém que empreende uma fuga. Não sabemos muito sobre ela: no inicio do filme a vemos catando lixo e tomando conta de duas crianças. São seus irmãos? Seus filhos? Só mais à frente na história descobrimos. Star, embora não seja branca, vive em meio ao que se chama pejorativamente nos Estados Unidos de “white trash”, ou “lixo branco”, aqueles habitantes caipiras e pobres de vários Estados americanos e que possuem um nível cultural e intelectual baixo. A condição dela é ainda mais grave por ser tão jovem. Ela já tem até um marido, um sujeito que aparece numa cena para comer e tentar transar com ela.

Então, um dia, no supermercado, ela conhece um rapaz brincalhão chamado Jake. Ele se insinua para ela e lhe faz uma proposta de emprego. Não demora muito e Star larga tudo e embarca numa viagem com outros jovens pelo meio-oeste americano para vender assinaturas de revistas. Dentro da van na qual Star se encontra tem uma garota com uma fixação por Darth Vader, um sujeito que mostra o pinto algumas vezes, e outros rapazes e moças que querem curtir e cantam canções pop durante a viagem. Ela também conhece a patroa de Jake, a “fêmea-alfa” Krystal. E durante a viagem, ela cresce diante dos nossos olhos, ganha força e explora sua feminilidade.

O filme da diretora Andrea Arnold (também roteirista) é um road movie verdadeiramente independente onde os jovens viajam a esmo, e até a natureza do trabalho deles fica meio vaga e difícil de apoiar – uma possível cliente até chega a perguntar “Alguém ainda assina revistas?”. A cineasta inglesa, diretora de Aquário (2009) e O Morro dos Ventos Uivantes (2011), vê com compaixão e simpatia o seu microcosmo da juventude americana, seus personagens que não têm nada a perder e pouca noção de futuro. É sutil também o comentário social que Arnold faz dos Estados Unidos: um país tão belo e cheio de riqueza, mas no qual muitos jovens precisam recorrer a esquemas como estes para sobreviver.

Arnold também mantém a câmera na mão por quase todo o filme, dando-lhe energia, e o espectador praticamente sente o calor das locações por causa da luz forte e natural que domina a projeção. E a cineasta acerta, sobretudo, na escalação do elenco. O papel de Jake é apropriadamente entregue a um astro – ou, melhor dizendo, um ex-astro? Após abandonar Hollywood, Shia LaBeouf se reinventou em produções independentes e tem em Docinho da América provavelmente o seu melhor momento nas telas até agora. Ainda jovem, mas um pouco mais calejado, o ator traz uma energia intensa a Jake: um sujeito carismático, porém instável, capaz de tratar Star bem num momento e de ser ciumento e agressivo em outro.

E o desempenho da estreante Sasha Lane é a outra grande qualidade do filme. Ela não parece estar atuando: Star parece uma pessoa real por todo o filme e a atriz a imbui de uma força e de uma confiança que vão ficando maiores no decorrer da história. Lane é absolutamente convincente o tempo inteiro e é a grande revelação do projeto.

Apesar das qualidades da obra – outra atriz que causa boa impressão é Riley Keough como Krystal – é uma pena que a própria diretora sabote seu filme ao decidir que ele precisa se estender por inacreditáveis 2 horas e 40 minutos! Por melhor que o filme seja, é difícil não reclamar quando vemos mais uma cena de cantoria dentro da van, ou mais uma parada na viagem, ou mais uma cena na qual Krystal reclama de Star. É praticamente impossível não checar o relógio enquanto se assiste a Docinho da América, e a descrição crua e forte da juventude americana em alguns momentos se dilui porque as situações se repetem e o longa começa a parecer tão sem noção de para onde quer ir quanto seus personagens.

Docinho da América é um trabalho curioso porque encanta em alguns momentos, aborrece em outros, mas nunca deixa de exercer uma estranha fascinação, alimentada pelo sentimento de que é bom largar tudo e sair pelo mundo sem eira nem beira. Ainda mais quando se é jovem. Mas só esta sensação não é suficiente para sustentar a experiência cinematográfica. Os personagens jovens podem querer fugir e andar a esmo, mas estender esse mesmo privilégio ao filme é uma proposta complicada. Aquela conversa de quem é velho e já viveu um pouco mais se aplica aqui: um pouco de disciplina, e um pouco menos de fuga, faria bem ao filme.