Ele se chamava Oscar e tinha três anos. Seus olhos verdes o salvaram do horror: um dos soldados que assassinou sua família e todo seu povoado o sequestrou e o criou como um filho.

Quase 35 anos depois, um documentário produzido por Steven Spielberg pede justiça.

“Finding Oscar” (Encontrando Oscar), que estreia nos Estados Unidos em 14 de abril, é uma narrativa sólida e pungente da busca pela verdade e da luta contra a impunidade na Guatemala, um país devastado pela guerra civil (1960-1996), que deixou cerca de 200.000 mortos e desaparecidos.

É a história de Oscar Ramírez, esse menino que sobreviveu em 1982 ao assassinato da sua mãe, suas cinco irmãs, seus dois irmãos e dos 200 habitantes do seu povoado, Las Dos Erres, na selva da Guatemala, nas mãos de “kaibiles”, uma força especial do exército treinada por militares americanos para combater o comunismo.

Encontrar a verdade

Oscar, prova viva da participação do governo no massacre, só descobriu a verdade em 2011, quando já tinha mais de 30 anos.

“Esta é a história mais fascinante que já escutei na minha vida”, disse à AFP o diretor Ryan Suffern, um americano de 39 anos que trabalhou dois anos e meio neste filme.

“O que atrai na história de Oscar é este incrível ponto de partida, a crise existencial de descobrir um dia que toda a sua vida não é o que parece. E isso é o que transforma esta história espantosa em uma busca épica e fascinante para encontrar a verdade, e para encontrar esse menino”, acrescentou.

A difusão do filme produzido por Spielberg e Frank Marshall chega apenas dias depois da decisão de uma juíza na Guatemala de ordenar um julgamento especial por genocídio contra o ex-ditador Efraín Ríos Montt (1982-1983), de 90 anos, por seu papel neste massacre.

Ríos Montt foi condenado a 80 anos de prisão por genocídio em 2013, mas o máximo tribunal da Guatemala anulou a decisão por um “erro de procedimento”. Seus advogados asseguram que ele tem demência.

Só um punhado de “kaibiles” foram condenados na Guatemala por crimes relacionados ao massacre, cada um a 6.060 anos de prisão. Outros três estão em presídios americanos, condenados por violar leis migratórias. Suspeita-se que vários outros moram nos Estados Unidos.

Duas décadas de buscas

O documentário entrevista as pessoas que durante décadas investigaram o que aconteceu em dois dias atrozes de dezembro de 1982, quando pareceu que um povoado inteiro do departamento de Petén (norte) havia sido engolido pela terra.

Os testemunhos de familiares, sobreviventes, especialistas forenses, da promotora Sara Romero e até de ex-kaibiles que receberam imunidade em troca de delatar outros se sucedem para contar o inefável: a tortura, o estupro de mulheres e meninas e o assassinato de todo o povoado por parte de cerca de 20 kaibiles que buscavam guerrilheiros e armas e não encontraram nada.

Após anos de buscas, em 2011 a promotora Romero finalmente localizou Oscar, que vivia sem documentos nos subúrbios de Boston (leste), e lhe mandou um e-mail no qual revelou sua história verdadeira.

Após saber a verdade, Oscar, hoje com 36 anos, pôde viajar à Guatemala e se reunir, em 2012, com seu pai biológico, um camponês que se salvou porque no momento do massacre estava vivendo em outro local, assim como legalizar seu status: os Estados Unidos lhe deram um visto de refugiado.

“Oscar vive hoje uma versão do sonho americano do imigrante, junto com a sua esposa Nidia e seus quatro filhos”, disse Suffern.

Em 2014, Oscar testemunhou contra Jorge Sosa, um dos autores do massacre, que vivia na Califórnia e foi condenado a 10 anos de prisão por fraude migratória.

Suffern quer estrear o documentário na Guatemala em maio ou junho.

“Parte de fazer justiça é simplesmente reconhecer o que aconteceu. Nunca houve um reconhecimento formal por parte do governo, por isso é realmente importante exibir o filme publicamente na Guatemala”, disse.

Uma Comissão da Verdade promovida pela ONU documentou 669 massacres durante a guerra civil na Guatemala, a imensa maioria deles nas mãos do Estado durante a ditadura de Ríos Montt e a posterior, de Oscar Mejía Víctores (1983-1986).

da Agência France Press