Fiquei muito animada quando li que a Netflix iria adaptar “Dumplin”, obra homônima de Julie Murphy. A narrativa acompanha Willowdean Dickson (Danielle Macdonald), uma adolescente gorda, filha de uma ex-miss, Rosie (Jennifer Aniston). Quando encontra uma antiga inscrição para um concurso de beleza no quarto de sua falecida tia Lucy, ela decide se inscrever como forma de protesto.

Ainda são poucas as narrativas que abordam o amadurecimento de uma pessoa gorda. O audiovisual, de maneira geral, ainda precisa aprender e investir na maneira como enxergar o adolescente gordo. Sendo assim, o filme de Anne Fletcher não apresenta mudanças ou um viés diferente para debater essa temática. Entretanto, acerta em ter uma protagonista gorda e, de maneira sutil, a colocar em situações corriqueiras e desconfortáveis, as quais de tão realistas chegam a ser identificáveis.

Will é uma adolescente que transpira confiança para as pessoas mais próximas. A questão com seu corpo parece não ser um incômodo no primeiro momento, quando as preocupações infantis da adolescência tomam espaço. Nesse quesito, a personagem ganha força. Justamente por não cair no clichê de que a sociedade prega sobre a personalidade de quem está acima do peso. Mas, isso se deve a ter tido um modelo de confiança.


Relação entre Will e suas mães

A psicanalista Susie Orbach afirma que a menina aprende quem ela própria é e o que pode ser. Ela ainda é enfática ao dizer que essa pessoa é quem fornece um modelo de comportamento feminino e conduz especificamente o que a garota será. A mãe que ama a filha quer que ela tenha uma vida diferente da sua. Por isso, a relação entre Lucy e Will é importantíssima. Não apenas para a condução da narrativa, mas também para exemplificar outros tipos de relação maternal.

Um problema frequente encontrado nas narrativas adolescentes que envolvem meninas acima do peso é essa disparidade corpórea entre mãe e filha. E por mais que a conexão familiar seja forte, essa diferença cria um abismo na relação maternal e no próprio entendimento da garota sobre a vida. “Insatiable”, por mais errática que seja, foi eficaz em demonstrar isso: a relação de Patty e sua mãe é deficitária em detrimento do conflito não de gerações, mas de tamanhos.

Will e Rosie passam por esse mesmo conflito. Ainda mais por a mãe nunca ter perdido sua pose como miss e enxergar no modelo de vida “fitness” a única forma possível de existência. Não à toa que a produção carrega o nome do apelido desagradável que a mãe deu à filha. Sem perceber o abismo corpóreo que havia entre elas, Rosie permite e pratica bullying contra Will.

Willowdean poderia ter uma personalidade bem mais problemática se não fosse por Lucy (Hilliary Begley): por ter enfrentado as mesmas indelicadezas que a sobrinha, ela ensina o caminho das pedras para garota sobre como superar o preconceito. Mesmo morta, são suas lembranças e as músicas de Dolly Parton, repassadas como um legado a protagonista, que mantém a cabeça de Will no lugar e a auxiliam na luta contra a baixo autoestima.


Bo e os garotos que gostam de garotas gordas

Embora fortificada por Lucy, a perda da tia e o abismo comunicacional com a mãe tornam tangível o incômodo de Willowdean com o próprio corpo, sendo o maior símbolo disso a relação dela com Bo (Luke Benward). O roteiro de “Dumplin”, porém, não consegue fugir dos clichês e nem apresentar uma estrutura sólida para explorar este conflito.

Primeiro que o relacionamento deles não é construído e o personagem é esquecido na maior parte do filme, mesmo sendo seu único potencial romântico. Por fim, somos obrigados a assistir, mais uma vez, um cara que se interessa pela menina gorda e ela não entende o motivo por se sentir inferior.

Para a sociedade contemporânea, que se mete a ser militante e dar voz às minorias, esse tipo de comportamento só aumenta a sensação de inferioridade e solidão da mulher gorda. Já que ao em vez de combatê-lo e erradicá-lo, apresenta a reação de Will como algo natural, enquanto os sentimentos de Bo são vistos como pontos fora da curva.

A adaptação não é o ponto em debate aqui, mas é válido ressaltar que Murphy coloca o primeiro beijo de Bo e Will como o momento em que ela se constrange com o próprio corpo. Entretanto, antes disso, o rapaz já apresentara sinais de seu interesse por ela e depois de perceber o que a aproximação entre eles causa na protagonista, ele procura modos de não a assustar, mas, sim de deixar evidente que ele a quer. O próprio livro fracassa ao depreciar a personagem principal em detrimento de um homem padrão, embora se redima no decorrer da trama. Entretanto, isso só aumenta o equívoco cometido no filme.

Bo, porém, não fica sozinho em personagens mal explorados. Millie (Maddie Baillio) , por exemplo, tem várias características que a tornam uma miss ideal, mas não são postas de forma atraente para o público. As próprias motivações de Will surgem do nada e se esvaem da mesma forma.

Dessa forma, “Dumplin” falha ao não ter um olhar realmente delicado sobre os adolescentes gordos. Por outro lado, o lançamento na Netflix alcança um público que carece por produções que tenham personagens gordos e dão importância a sua vivência. Por ser um filme leve, é capaz de ajudar as pessoas a aceitarem seus corpos e abraçarem as diferenças.