“Ele Está de Volta” tinha tudo para ser a) uma brincadeira de mau gosto; b) uma tentativa frustrada de mockumentary ou c) uma sacada genial. Ainda que não seja possível marcar nenhuma das três alternativas, o filme alemão usa um dos personagens mais infames da história para criar uma narrativa provocadora e com ‘gags’ que assustam o espectador com a mesma intensidade que divertem quem está “na tela”.

Em um mundo tomado pelos absurdos proferidos pelos Bolsonaros e Trumps da vida, não é difícil imaginar que Adolf Hitler poderia ter tido o mesmo “sucesso” que teve durante a Segunda Guerra Mundial (acho que nem preciso enumerar seus “feitos” aqui, né?). Por isso, o cenário do filme dirigido por David Wnendr não é dos mais absurdos: Hitler acorda em seu bunker na Alemanha do século 21 e é confundido com um comediante. O sucesso que o “personagem” faz lhe rende um contrato televisivo e uma carreira de sucesso fazendo piadas não só com o Holocausto, mas com a atual situação da Alemanha – e aí vamos do governo Angela Merkel à presença de muçulmanos no país.


Hitler: uma atração de circo?

É uma receita que tinha tudo para dar errado, mas Wnendr (que também assina o roteiro, adaptado do best seller homônimo) acerta ao dar ao espectador diversas visões críveis sobre a presença de Hitler na Alemanha de 2014 (ano em que se passa a trama). O resultado é, como disse acima, assustador: tem quem tire selfies com o comediante, tem quem faça a saudação nazista em tom de gracinha, uns blackface ali, uns Heil Hitler acolá…

Após a primeira sequência de “fãs” de Hitler na rua, Wnendr de certa forma coloca Hitler como uma atração de circo. E oras, o que é um louco que não é levado a sério? Um palhaço. O próximo ato da narrativa mostra como a mídia se aproveita de um flash mob, de um sucesso das ruas. Nesse sentido, as referências à cultura pop, à política atual e até a outros filmes ‘estrelados’ por Hitler (quem lembra daquele piti do Führer em ‘A Queda’ vai se divertir com uma cena em particular deste filme) são bem balanceadas, assim como a ‘adaptação’ do personagem principal a coisas que já são tão prosaicas ao século 21.


De palhaço a demônio

E aqui é que a coisa começa a pegar. A história ganha dimensão maior, de verdade, quando vemos o personagem ser colocado frente a frente com uma judia E sobrevivente do Holocausto. O terror estampado na cara da mulher tira do espectador qualquer impressão de que essa é uma sátira inocente.

A narrativa, então, ganha ares mais maduros e Wnedner acerta ao fazer com que Hitler seja confrontado justamente por seus “fãs”, os ditos Neo Nazis. É assustador e nada reconfortante o que vemos no ato final da história.

O desconforto que a história causa em quem a assiste não é apenas mérito do diretor/roteirista, deve-se reconhecer. No papel de Hitler, Oliver Masucci é deliberadamente exagerado, mas também confere ao personagem uma confusão interior tão genuína que até sentiríamos compaixão se não lembrássemos quem ele é.

Há, sim, sátiras a Hitler mais arrojadas (‘Bastardos Inglórios’) e quiçá geniais (‘O Grande Ditador’), mas esse “Ele Está de Volta” é a lição perfeita de como transformar uma piada de mau gosto em um exercício narrativo que leva o espectador a olhar com temor não só para figuras como Donald Trump (para não mencionar o nosso equivalente brazuca), como também aos seus seguidores.