How To Get Away With a Murder”, “13 Reasons Why”, “Gossip Girl”, “Riverdale, “Pretty Little Liars” e até mesmo “Rebelde”. É possível citar, ao menos, seis séries que a nova atração da Netflix, ‘Elite’, utiliza como referências. A escolha por manter um roteiro que dialoga diretamente com o público jovem é uma característica já conhecida no streaming, no caso da série espanhola essa fórmula é utilizada com fatores próprios da proposta de investir em produções estrangeiras. Após o sucesso inesperado de ‘La Casa de Papel’, ‘Elite’ atribui a presença estrangeira desde os roteiristas até seus atores, escolha que, até então, apresenta bons resultados conforme o aplicativo “TV Time”, que apontou a série como mais maratonada em seu final de semana de estreia e a série mais assistida no mundo pela segunda semana seguida.

A trama se inicia após uma escola pública desabar e a empreiteira responsável pela obra conceder bolsa para três alunos em um colégio particular. A ida de Samuel García (Itzan Escamilla), Nadia (Mina El Hammani) e Christian (Miguel Herrán) para a instituição é marcada por resistência de seus novos colegas, assim, a diferença entre classes sociais se torna o ponto de partida para conflitos, resultando em uma tragédia inesperada na qual os bolsistas se tornam os principais suspeitos.

O roteiro é assumidamente influenciado por outros seriados, principalmente por “How To Get Away With a Murder”, que justifica sua história do presente com cenas de acontecimentos futuros. Apesar de não ser o item mais original da série, o argumento consegue utilizar narrativas já conhecidas no meio para construir uma série com diálogos significativos e assuntos de fácil identificação com o público jovem, chegando até temas mais delicados.

Ao mostrar a diferença financeira entre os personagens principais, a história permite que preconceitos, dificuldades familiares e incertezas pessoais sejam abordadas por meio de oito figuras centrais – todos adolescentes. Apesar da grande quantidade de protagonistas, a escolha por atribuir dramas específicos para cada um é capaz de dar ênfase mesmo para personagens com pouco tempo em cena. Este é o caso da relação entre Guzmán (Miguel Bernardeau) e Nadia, que conseguem ir além do clichê inicial imposto para ambos com o improvável relacionamento entre uma muçulmana e um rapaz adotado por uma família rica e preconceituosa. Neste caso, a religião de Nadia é mostrada não apenas como um mero fator limitante de suas atitudes, mas também se torna uma forte marca na sua personalidade, enquanto Guzmán indicado para ser o bad boy do seriado apresenta aspectos mais humanos do que os mocinhos.

Por outro lado, o casal principal da série, Samuel e Marina (María Pedraza), não convence como protagonistas mesmo com o grande tempo em cena. A dupla possui uma relação muito parecida com a que Clay Jensen e Hannah Baker vivem em ’13 Reasons Why’: o rapaz ingênuo apaixonado por uma menina que não é exatamente o que ele esperava, criando uma atmosfera de culpabilização da mesma pela forma que ambas séries retratam as personagens. Nas duas situações, o ponto de vista utilizado para interpretar as escolhas de Marina e Hanna é através dos personagens masculinos, prevalecendo seu juízo de valor sobre.

Apesar deste defeito, Pedraza protagoniza bons momentos ao lado de Jaime Lorente. Mesmo desempenhando papeis semelhantes ao que ambos fizeram em “La Casa de Papel”, a dupla possui boa química como casal, o que se torna um fator importante para que a dinâmica com Samuel se torne mais interessante.

Desta forma, os rostos conhecidos se tornam mais um atrativo para o público que acompanha a evolução dos atores a partir de seus personagens. Além de Lorente e Pedraza, Miguel Herrán também é uma herança de “La Casa de Papel”, aproveitando a oportunidade com sucesso. No papel de Christian, o ator desempenha grande parte do alívio cômico de “Elite”, se tornando uma surpresa seu envolvimento nos momentos mais intensos no último capítulo – o que também mostra indicações de sua importância na segunda temporada.

Em meio à trama de mistério que “Elite” propõe cenas típicas de séries e filmes para o público jovem são retratadas com frequência, incluindo festas, relacionamentos abertos e o uso de drogas, com um quê de “American Pie” espanhol. Essa proximidade com a narrativa americana também é presente na trilha sonora, que mesmo sendo predominantemente espanhola utiliza canções em inglês para dar um aspecto cool. Assim, a língua falada por seus personagens, os cenários filmados em Madri e Gualala, na Espanha ficam em segundo plano.

Com uma temporada com poucos episódios, os criadores Darío Madrona e Carlos Montero, conseguem estabelecer em seu final a solução do problema colocado com novos conflitos a serem explorados em uma próxima temporada. Devido a boa combinação e entrosamento do elenco é possível imaginar que “Elite” consiga segurar uma continuação sem apelar para recursos como flashbacks ou a inserção de novos personagens. Entretanto, para apresentar uma efetiva presença original no catálogo Netflix, é preciso que o projeto espanhol se aproprie de seus pontos positivos e deixe de lado os aspectos americanos que também são seus principais erros.