Já há algum tempo me pergunto por qual motivo o cinema nacional não consegue produzir um filme policial minimamente eficiente desde Tropa de Elite 2 (2010). Imagino que o motivo principal é a preocupação cada vez maior em fazer um cinema de ação comercial cheio de firula, que atenda as exigências de um público ávido por um produto esteticamente ousado. O que acaba incomodando no final das contas é que os envolvidos esquecem de revesti-lo com um texto ao menos coerente – algo que o filme de Padilha tinha de sobra – e sem querer exigir demais, um roteiro com credibilidade, que respeite a inteligência do público.

De 2010 para cá, tivemos obras medíocres como 400 contra 1 – Uma História do Crime Organizado (2010) e Federal (2010). Recentemente, Alemão (2014) e Força-Tarefa (2015), apesar das premissas interessantes, afundavam em roteiros previsíveis. O novo exemplar do gênero em 2016, Em Nome da Lei, de Sérgio Rezende mostra que o cinema nacional continua perpetuando os mesmos erros, mas com um agravante: começa como um policial sério, de tema relevante, mas aos poucos se torna uma comédia involuntária perante aos olhos do público.

Um jovem juiz federal, chamado Sérgio Moro… desculpem o ato falho, Vitor Ferreira (Mateus Solano; avisem o rapaz que isto é um filme, e não uma novela) chega à pequena cidade de Fronteiras (como próprio nome insinua, um lugar no limite da fronteira do Paraguai e Brasil) para fazer a justiça prevalecer em um local onde o crime corre solto. Ele acaba batendo de frente com chefão do lugar, “El Hombre” Gomez (Chico Diaz, este sim, foi avisado que é filme), utilizando a lei para acabar com a bagunça local. Entre os aliados de Vitor, estão a procuradora Alice (Paolla Oliveira) e o policial federal Elton (o ótimo Eduardo Galvão).

Carioca da gema, Sergio Rezende é um diretor que gosta de explorar temas sociais-históricos relevantes. Ele já mostrou eficiência no thriller O Homem da Capa Preta (1986), mas seus dois últimos trabalhos, Zuzu Angel (2006) e Salve Geral (2009) se perderam em textos previsíveis, cheio de clichês que desperdiçavam histórias inspirados em fatos reais em melodramas superficiais. O próprio Rezende disse em entrevistas que sua intenção com o novo filme era renovar não apenas o cinema nacional policial, como abrir pontos de debate e reflexão sobre o desejo de justiça do cidadão brasileiro e o papel da lei frente à institucionalização da violência.

Em Nome da Lei, com Paolla Oliveira e Mateus Solano

Logo, é difícil não associar o filme ao cenário político brasileiro atual. “Em Nome da Lei” tem sua relevância social e o seu lançamento vem num momento oportuno para debate. As ações de Vitor no filme lembram demais a postura do juiz Sérgio Moro na vida real, na operação Lava Jato, principalmente na forma às vezes “torta” que utiliza a lei para atingir seus objetivos e prender Gomez. Inclusive há uma cena no filme que lembra, dentro das suas proporções, a condução coercitiva imposta por Moro ao ex-presidente Lula, ocorrida em março deste ano. É o cinema imitando a vida real.

Por isso, é triste constatar que o roteiro raso do próprio diretor fracasse nessa tentativa de diálogo cinematográfico com a realidade atual. Para piorar, o filme nem funciona como um possível faroeste policial moderno, como insinuava o trailer. Rezende, em vários momentos, propõe discutir a linha tênue da lei da selva (as relações de poder), imposta por Gomez, contra as leis civilizadas (regidas pela constituição), nas quais Vitor se baseia para combater seu inimigo. Mas em nenhum momento ele atinge essa proposta de debate; pelo contrário, abusa de situações nada verossímeis que não saem da esfera da superficialidade dos fatos, onde a maioria dos personagens e seus conflitos nunca são aprofundados dignamente.

É chato ver um enredo interessante, todo construído em um formato novelesco. Falta credibilidade ao texto, que prefere se prender didaticamente aos vários momentos clichês da trama e às ações incoerentes dentro da realidade dos personagens – é nítido o quanto Rezende prefere seguir a cartilha do cinema americano comercial trivial ao invés de ousar. É incompreensível um personagem como Vitor, que preza por comportamentos éticos, apresentar tantos inadequados ou antiprofissionais. O próprio vilão de Chico Diaz, apresentado inicialmente de forma inteligente, aos poucos toma atitudes despreparadas, como se fosse um capanga de quinta categoria. Chama atenção nesse quesito como o protagonista e seu antagonista são delineados como caricaturas risíveis de herói e vilão, digno de um episódio trash de Chapolin – com a diferença que falta o mesmo charme do seriado mexicano ao filme. O primeiro encontro entre eles, que poderia ser um dos grandes momentos de tensão da produção, é marcado por frases de efeito prontas e um clímax abrupto que beira o “nonsense”.

Nesse ponto é que a produção assume suas grandes limitações, principalmente por forçar situações e torná-las absurdas. Talvez nesse quesito, Rezende obtém algum resultado, até porque, pelos diálogos e ações espalhafatosas, consegue proporcionar o riso involuntário por parte do espectador. Se não consegue nem estabelecer conflitos morais devidamente importantes para os personagens do núcleo central, o roteiro ainda incha o filme com subtramas ineficazes que não trazem peso algum à narrativa – a que envolve a filha de Gomez com seu capanga é constrangedora.

Paolla Oliveira e Mateus Solano em cena de Em Nome da Lei

Aí chegamos a pergunta capital: as cenas de ação, pelo menos, são boas como mandam a boa cartilha do cinema policial? Na verdade, é difícil analisar esse ponto, porque não há nenhum momento que se destaque durante os 120 minutos de filme, e quando rola a ação, o tempo dela em tela é bem reduzido. É importante reconhecer que Rezende merece méritos por permitir uma narrativa fluida que jamais se torna entediante para o público, ainda que exagere na forma nada sutil em que expõe sua câmera para detalhar fatos ao espectador, como se este não tivesse a capacidade de raciocinar a partir do que é falado, e por isso é necessário “o reforço” visual para você captar a mensagem “complexa” do enredo.

O elenco, ao menos, é esforçado dentro do que o material permite. Tanto Paolla Oliveira e Eduardo Galvão oferecem uma certa profundidade nas suas atuações, algo que o roteiro jamais oferece em sustância aos seus personagens. Por sua, vez Chico Diaz é o grande destaque, dando solidez ao seu vilão e credibilidade até nos gestos mais simples (seja no olhar, seja na forma como entoa seus discursos). O único ponto fora da curva é Solano. Me perdoem os fãs do ator, mas ele deixa a desejar, principalmente por render-se a uma atuação estereotipada quando exigido dramaticamente. A impressão que se tem é que o ator parece ainda preso à realidade das telenovelas.

No geral, “Em Nome da Lei” é outra bola fora do cinema nacional na tentativa de fazer um policial sério e envolvente. Decepciona na forma constrangedora e didática como encena seu texto. Uma semana depois do circo de horrores da votação do Impeachment em Brasília, Rezende oferece um policial “emburrecido” que parece escrito pelos mesmos parlamentares que redigiram alguns dos bizarros discursos durante a votação. Cinema e política pode ser, às vezes, um casamento perfeito na sua mediocridade, principalmente por subestimar a inteligência daquele que está do outro lado da tela.