Uma década é cedo para declarar um filme como clássico, mas é inegável que algumas produções estabelecem impacto junto ao publico logo de cara e custam a sumir do imaginário coletivo. É caso destas produções citadas nesta lista: não necessariamente grandes filmes – embora alguns até sejam – mas as principais produções que assustaram o público em 2005 e marcaram época. Acompanhem-me enquanto relembramos como estava o cinema de terror há dez anos…

albergueA força da tortura: O Albergue

Em 2005 o subgênero “torture porn”, a pornografia da tortura, estava em pleno florescimento graças ao lançamento de Jogos Mortais 2, que efetivamente transformou em franquia um exercício de suspense meio despretensioso do diretor James Wan, e de O Albergue, do diretor Eli Roth. Lançado com a frase promocional “Quentin Tarantino apresenta” – Roth e o diretor de Pulp Fiction são amigos – O Albergue se pretendia um retorno aos filmes violentos e de exploitation dos anos 1970 e 1980, com sua trama sobre americanos sendo capturados e torturados num albergue na Eslováquia. Os críticos se dividiram, com David Edelstein da New York Magazine cunhando o termo “torture porn”, e até as autoridades eslovacas denunciaram o filme. Isso não impediu O Albergue de ser um sucesso de bilheteria, inspirando duas sequências e dando impulso a vários filmes com personagens sendo torturados e mortos. Visto hoje, há pouco a se recomendar no filme: a violência é um fim em si mesma, sem nenhum componente metafórico ou alegórico para enriquecer um pouco a experiência. Mas é o filme que deu a Roth a sua carreira e um dos que marcou a década passada.


Terror no meio do nada: Wolf Creek – Viagem ao Inferno

Há um componente de tortura em Wolf Creek, mas o longa australiano é bem mais insidioso e realista e, por isso mesmo, mais assustador que o filme de Roth. Não começa como um filme de terror tradicional – de fato, o espectador até precisa esperar um bom tempo para alguma coisa assustadora acontecer. Nesse meio tempo, o diretor Greg McLean investe na construção de uma forte sensação de isolamento, apropriada para a história de um grupo de mochileiros explorando o deserto australiano. Eles vão até a cratera de Wolf Creek, o carro quebra e eis que surge alguém para ajudar: Mick (John Jarrat), um dos mais assustadores psicopatas do cinema recente. A princípio caracterizado quase como um estereótipo, o do “Crocodilo Dundee”, o personagem mostra sua face mais ardilosa e terrível em cenas difíceis de tirar da memória. Parcialmente inspirado em assassinatos reais de mochileiros e turistas no sertão da Austrália, Wolf Creek: Viagem ao Inferno mostra o deserto como ele é: um lugar hostil à vida humana, e onde o homem pode ser o maior predador.


O filme perdido dos anos 1970: Rejeitados pelo Diabo

Enquanto as pessoas eram torturadas nos filmes de Roth e McLean, o roqueiro/cineasta Rob Zombie atacou o público – sim, esse é o termo certo – com Rejeitados pelo Diabo, continuação do seu primeiro longa A Casa dos 1000 Corpos (2002). Zombie trouxe de volta a família psicótica do anterior, mas nada do seu clima de videoclipe. Rejeitados é completamente situado dentro de uma estética setentista, como se fosse um primo de O Massacre da Serra Elétrica, um longa perdido de 1974 apenas então descoberto. A família é perseguida por um xerife em busca de vingança, e em meio aos palavrões, violência e ótimo rock’n’roll, Zombie faz uma homenagem ao cinema exploitation dois anos antes de Tarantino e Robert Rodriguez lançarem seu projeto Grindhouse. Mas Rejeitados transcende a homenagem: ao nos fazer sentir um pouco de simpatia pelos loucos, Zombie mexe com a cabeça do espectador e cria uma obra de inegável força – até o finado Roger Ebert gostou. Ainda estamos esperando por outro filme bom dele – esqueça os Halloween comandados pelo diretor – mas Rejeitados pelo Diabo merece ser visto com respeito.


Os remakes: A Casa de Cera e Horror em Amityville

Naquela época, a máquina dos remakes estava a todo vapor, e esses foram os mais chamativos do ano. Casa de Cera é bem bobo, seguindo fielmente a cartilha do Massacre da Serra Elétrica, mas pelo menos rendeu um ótimo momento: a cena da morte da personagem da Paris Hilton, que até hoje desperta umas risadas. Já Horror em Amityville é, em minha opinião, até um pouquinho melhor que o original, mas só um pouquinho – a ruindade do longa de 1979 é maior que as qualidades do remake, se é que me entendem. A história da família Lutz e seus dias na casa de Amityville já foi exposta como farsa, mas é difícil vencer o poder da lenda: estou certo de que um dia veremos uma nova versão.

O retorno do mestre: Terra dos Mortos

Terra dos Mortos, o quarto longa da série de zumbis do diretor George Romero, e o primeiro depois de 20 anos, é muito legal e não compreendo porque ainda não é mais aceito. Talvez o tempo vá cuidar disso… O retorno de Romero ao mundo devastado pelos zumbis é mais épico – foi o maior orçamento da carreira do cineasta – e profundamente influenciado pela realidade pós-11 de setembro. Mas acima de tudo, é um filme sobre o eterno conflito entre os que têm muito e os que não têm nada: os ricos vivem numa comunidade isolada repleta de luxos, enquanto a classe média busca suprimentos e os despossuídos mortos-vivos querem entrar no jogo social. O conflito entre todos é inevitável e sangrento, mais ou menos como no mundo real. O espelho que Romero reflete para nós é divertido e deformado, mas faz pensar – é mais do que se pode dizer da grande maioria dos filmes de zumbis.


A possessão: O Exorcismo de Emily Rose

Baseado num caso real ocorrido na Alemanha, O Exorcismo de Emily Rose ainda provoca arrepios em muitas pessoas que o viram nestes dez anos após o lançamento. Jennifer Carpenter, numa atuação sensacional, vive a Emily Rose do título, uma jovem que levava uma vida normal até começar a sofrer estranhos tormentos. A família dela, e a própria Emily, acreditavam que ela estava possuída e a jovem morreu durante o exorcismo. No julgamento do padre que a exorcizou, detalhes sobre o fenômeno da possessão demoníaca são trazidos até à sala do júri, numa curiosa mistura de terror com drama de tribunal. O filme seria melhor com uma visão mais imparcial – o diretor Scott Derrickson, que mais tarde fez carreira no gênero, é o verdadeiro “advogado do diabo”, e nem por um momento duvida da possessão maléfica. Mas o filme tem bons e assustadores momentos, isso é inegável.


A queda: Abismo de Medo

O melhor filme de terror lançado em 2005 veio da Inglaterra: o diretor Neil Marshall trouxe em Abismo do Medo uma história de terror narrada pelo ponto de vista feminino. Seis amigas resolvem explorar uma caverna. Algum tempo antes, o marido de uma delas morreu num acidente, e a viúva tinha uma leve suspeita de que ele a estava traindo com uma das suas amigas… No presente, debaixo da terra e em meio à escuridão, elas começam a ser atacadas por estranhas criaturas – mas na verdade o filme já estava bem assustador antes mesmo dos monstros aparecerem. O brilhantismo da visão de Marshall, neste que ainda é de longe o melhor filme da sua carreira, é a ambiguidade. Assista ao filme com a noção de que tudo pode estar se passando na mente da protagonista e o filme ganha em força e intensidade. Abismo do Medo é realmente um mergulho dentro de uma caverna escura, a psique de uma mulher perturbada, um lugar do qual não é fácil sair.