“Game of Thrones”, que passou a ser no domingo (18) a série de ficção mais premiada da história dos Emmy, cativa o público há seis temporadas com suas intrigas espetaculares, seu erotismo e, sobretudo, sua extrema violência.

A saga já tem um total de 38 prêmios Emmy desde seu lançamento pelo canal a cabo HBO. No domingo se consagrou como melhor série dramática, assim como no ano passado, e também levou os prêmios de melhor direção, melhor roteiro e melhores efeitos especiais.

No entanto, os atores saíram de mãos vazias. “Game of Thrones é uma das maiores conquistas da televisão em todos os critérios possíveis”, disse Jonathan Kuntz, professor da escola de teatro, cinema e televisão da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).

A série criada por David Benioff e D.B. Weiss, adaptada dos romances de George R. R. Martin, “inventa um mundo, um pouco ao estilo de ‘Senhor dos Anéis’ ou ‘Harry Potter’, que está entre as ficções mais fabulosas da era moderna”.

Seu êxito fenomenal deve-se a sua narrativa repleta de suspense com personagens que são inesperadamente eliminados, situações complexas ou sobrenaturais, muito erotismo e interpretações magistrais salpicadas de efeitos especiais.

Mas o que a define é sua violência desenfreada: mortes sangrentas, torturas, mutilações, decapitações, suicídios, envenenamentos e uma brutalidade nas cenas de estupro bastante chocante.

“O sexo e a violência têm um papel-chave na série”, afirma Jonathan Kuntz. Para ele, o fato de o universo de “Game of Thrones” ser fictício e situado em um passado feudal com costumes primitivos permite que os roteiristas tomem liberdades para escrever selvagerias sem limites. “Mas elas não são gratuitas. Contribuem para a história, para a elaboração das personagens”, afirmou Kuntz.

O realismo das cenas sangrentas deve muito aos efeitos especiais, mas os diretores explicaram à revista “Time” que utilizam carne de verdade despedaçada para evocar melhor na tela os corpos massacrados.

Entre Shakespeare e a atualidade
Os canais a cabo como HBO utilizam a violência e o sexo há tempos para atrair os telespectadores em meio a uma oferta cada vez mais saturada.

Em 1997, a série “Oz” – sobre a vida em uma prisão de segurança máxima – não poupou cabeças decapitadas ou genitais arrancados.

Depois, com “A Família Soprano”, sobre a vida de um chefe mafioso com dúvidas existenciais, começou no início dos anos 2000 uma era na qual as séries de grande qualidade tinham uma constante: a brutalidade.

Vieram então “Breaking Bad”, sobre um professor de química que se tornou traficante de metanfetamina, e “The Wire”, sobre o tráfico de drogas, além dos gangsteres de “Boardwalk Empire” e os assassinatos em série de “Dexter”.

Esta ferocidade contaminou os grandes canais, que lançaram, entre outros, o thriller “Hannibal” sobre o famoso psicopata. O subgênero dos zumbis e dos vampiros também teve sua idade de ouro com o êxito de “The Walking Dead”, que bateu recordes de audiência no mundo, ou “The Strain”.

Mike Flanagan, diretor do filme de terror “Ouija: Origem do Mal” (2016), diz que a violência intensa, sangrenta, as torturas e os estupros se banalizaram nas horas de maior audiência desde o início do século XXI. “Nos dessensibilizamos”.

Esta irrupção da brutalidade seria um sintoma da sociedade americana?

Para Robert Thompson, professor de cultura popular na Universidade de Syracuse, “sempre vivemos uma sociedade violenta”. “A Bíblia, a Ilíada, são histórias cheias de brutalidade; Shakespeare era violento. Lady Macbeth não pode lavar o sangue das mãos”, lembra.

Mas para Jonathan Kuntz, “Game of Thrones” tem encantado milhares de espectadores porque seu universo fantástico evoca o mundo atual. “Fala de intrigas políticas e de problemas que lembram os atuais nos Estados Unidos e na Europa, como o das famílias que lutam para permanecer no poder, os conflitos entre diferentes etnias, etc”.

Enquanto isso, o impacto das imagens sobre os espectadores é motivo de controvérsia: seis organizações médicas escreveram ao Congresso americano em 2000 que “a violência no entretenimento pode aumentar as atitudes agressivas”.

No entanto, para Flanagan, os filmes oferecem ao público um “lugar seguro” para liberar os impulsos mais sombrios da natureza humana.