É curioso lembrar como, há vinte anos, Scott Hicks parecia ter chegado para ficar. Com seu filme Shine (ou Shine: Brilhante, no Brasil), o diretor, na praça desde a década de 1970, finalmente se impunha como um realizador de talento, capaz de unir tino comercial a um senso arrojado de narrativa, algo como um Barry Levinson (Rain Man) ou um David O. Russell (O Lado Bom da Vida), ou assim parecia. A verdade é que Hicks, desde então, se revelou pouco mais que um operário-padrão da indústria, um diretor competente e até ambicioso (seu documentário sobre o compositor Philip Glass, de 2007 [Glass], é um exemplo feliz), mas insosso, incapaz de animar seu material com inventividade visual ou algo que lembre personalidade.

Talvez seja apenas apropriado, então, que Hicks, duas décadas depois de Shine (que já era um filme superestimado em sua época) tenha vindo com o monumentalmente tedioso e inane Fallen, uma tentativa tardia de um novo Crepúsculo, com “anjos caídos” no lugar dos vampiros e lobisomens, e uma triste indiferença na parte narrativa, com atuações apáticas dos protagonistas e o encadeamento apressado, quase alheio, de personagens e eventos.

Na trama, Lucinda “Luce” Price (Addison Timlin, da série Californication) é enviada a um reformatório pomposo, o Sword and Cross, que abriga jovens com distúrbios mentais ou incapazes de se adaptar a um ambiente escolar “normal”. Ela está lá por escolha: há anos, um incidente misterioso, que terminou com o incêndio de um chalé e a morte de um homem, a enche de culpa, mesmo que ela não se lembre de como as coisas aconteceram. No internato, ela se depara com Daniel Grigori (Jeremy Irvine, de Cavalo de Guerra, tão anabolizado e distante do carisma mostrado naquele filme quanto possível), um rapaz com físico de modelo e olhar de cachorrinho triste, que é perturbado por sua presença e evita até lhe dirigir o olhar – logicamente, eles estarão perdidamente apaixonados um pelo outro. Luce tem visões perturbadoras – figuras de gárgulas e demônios, oceanos de fogo – e a certeza de reconhecer Grigori de outros lugares, possivelmente outras vidas. Outros personagens importantes são Cam (Harrison Gilbertson, que parece saído do One Direction), o bad boy da Sword and Cross, que possui alguma ligação com Grigori e também está apaixonado por Luce, e Penn (Lola Kirke), a melhor amiga geek da protagonista.

Trata-se de um elenco relativamente carismático, mas sem muita química – a franzina Timlin parece pequena e intimidada perto do musculoso Irvine, que parece ter se preparado para um filme da Marvel –, e a direção cheia de clichês de Hicks não consegue disfarçar seu desprezo pelo material. A rigorosamente nada no filme é permitido ter uma “cara”, uma identidade própria, que não tenha sido retirada do catálogo de soluções fáceis para esse tipo de produção. Não há sutilezas: a apresentação de Daniel é feita em planos fetichistas, que se demoram longos segundos nas caras e bocas de Irvine e em seu físico de Capitão América; os temas da história são martelados de forma contínua ao longo do filme, para que até crianças saibam antecipar a “revelação” de que Daniel é um anjo; as cenas de ação são anônimas, sequências ruidosas e cheias de efeitos com a duração de microssegundos, na melhor tradição Michael Bay; o terceiro ato tem direito a um beijo nas nuvens, com um coral angelical a todo volume; e esse tipo de coisa.

Muito pouco, muito tarde: a atuação segura e relativamente delicada de Addison Timlin não consegue carregar um filme com tão pouco a oferecer. Com todos os seus defeitos, os filmes Crepúsculo tinham um elenco bem mais marcante e a sorte de, num capítulo ou outro, contar com um diretor sensível, que preferia pôr em primeiro plano os conflitos e relacionamentos dos protagonistas, deixando o barulho e a CGI de lado. Até a justificativa para um projeto como esse é suspeita: a série de Stephenie Meyer terminou num anticlímax, com muitos fãs reclamando do tratamento ligeiro dado por Hollywood a seus heróis, e filmes como Dezesseis Luas (2013 – para mim, pelo menos, uma série com mais potencial que Crepúsculo) e Os Instrumentos Mortais (2013) mostraram, com seus fracassos, que a preferência do público mudou rapidamente. Quem sabe, em 2020, Scott Hicks resolva embarcar no erotismo carola de Cinquenta Tons de Cinza e similares. Temei.