Qualquer pessoa que tenha sido fisgada pela introdução de voz e violão e decidido acompanhar, verso a verso (168, no total), a epopeia de João de Santo Cristo, na música “Faroeste Caboclo”, da Legião Urbana, deve ter pensado: daria um bom filme. Afinal, com sua saga de morte e decadência na capital do Brasil, interrompida apenas por um desolado intermezzo romântico, a canção traçava um retrato pungente do país no final da ditadura, com seu “milagre” malogrado e injustiças seculares. Pois bem: vinte e seis anos depois do seu lançamento, o diretor René Sampaio conseguiu aquilo que muitos de nós apenas imaginamos enquanto ouvíamos a música – transformar Faroeste Caboclo em filme.
A escolha de Sampaio, neste que é o seu primeiro trabalho, foi fugir do tom ambicioso e populista da letra de Renato Russo. João (o excelente Fabrício Boliveira) não é mais o mártir de uma sociedade corrompida, ou o porta-voz de um Brasil miserável, negligenciado: é, ele próprio, um desses esquecidos, homem que conheceu apenas a brutalidade da miséria e da violência, mas que experimentou brevemente, ao lado de Maria Lúcia (Ísis Valverde), outra vida e outro ideal, que lhe inspiraram o recomeço. Projeto fracassado, porque o passado de João, suas origens, sua cor, lhe anulam o presente e negam o futuro, nesse Brasil anacrônico, quase selvagem, do início dos anos 80, que lembra, no entanto, em muitos aspectos, o de hoje.
A aposta na atualidade da canção, sem segui-la de forma literal, foi uma ideia acertada dos roteiristas Victor Atherino e Marcos Bernstein. Se o filme que vejo na tela não lembra em muito o que eu imaginava ao ouvir “Faroeste…”, isso se deve ao fato de que a trama imaginada por Renato funciona apenas, e tão somente, na música. A ideia do “bom bandido”, vítima da sociedade, já não faz sentido hoje, e cenas como a do duelo midiático, da “via-crúcis que virou circo”, menos ainda. O João de Santo Cristo de Sampaio e Boliveira morre sozinho, sem espetáculo; cumpre o seu destino infeliz, no moto-perpétuo da violência urbana brasileira.
Essa é a proposta. Mas as falhas do diretor em pontuar cenas cruciais da trama acabam por prejudicar o belo trabalho do elenco. A caracterização confusa de Jeremias (o histriônico, mas convincente Felipe Abib) levam a um final caricato, salvo apenas pela convicção de Boliveira. O tom exagerado de western desse mesmo final destoa do realismo do restante do filme. Tá certo que tem “Faroeste” no nome da música, mas a cena poderia ser mais sutil. Também não sai muito a contento a desajeitada emboscada de João e Pablo a Jeremias. Mas a delicadeza de Sampaio nas cenas de João com Maria Lúcia, ou nas inserções da infância do protagonista, e a elegância da composição visual (utilizando com inteligência os cenários e contrastes de luz), mostram um diretor de talento comparável ao de Breno Silveira (2 Filhos de Francisco). Mas o destaque maior, mesmo, é o elenco.
Boliveira, que já atuou em vários programas da rede Globo e esteve no elenco de 400 contra 1 (2010), revela seu enorme talento ao compor um João de Santo Cristo cruel e vulnerável, esperançoso e amedrontado, riquíssimo em nuances. Torcemos muito pra que ele seja aproveitado em novos trabalhos de vulto. Ísis Valverde, que vinha impondo sua vontade de fugir dos papéis de mocinha em atuações cada vez mais surpreendentes na TV, encara com maturidade e sem nenhuma afetação o papel de Maria Lúcia. Grandes atores também fazem pontas aqui e ali: o extraordinário Flávio Bauraqui (Madame Satã), em míseros minutinhos como o pai de João; e Antônio Calloni (diversas novelas), sempre impecável como o policial corrupto Marco Aurélio. Marcos Paulo é o único famoso “a passeio”. Numa ponta gravada antes da sua morte repentina, no ano passado, ele aparece como o pai esnobe e cruel de Maria Lúcia. César Troncoso faz um bom Pablo.
A chegada quase simultânea deste filme com Somos Tão Jovens, inspirado na vida de Renato Russo, ajuda a celebrar a obra do grande letrista e compositor, figura criativa por trás da Legião Urbana, uma das bandas mais bem-sucedidas do país. Infelizmente, Faroeste Caboclo, muito mais elaborado na parte técnica do que o colega, acaba não atingindo as alturas que o seu começo prometia. O clímax desperdiçado acaba tornando o filme ainda menos cativante do que a obra de Antônio Carlos da Fontoura (que, por sinal, traz o mesmo Marcos Bernstein como roteirista). Perde meio ponto por causa disso.
Oi renildo, concordo que até por ser mais ambicioso, este filme me soou inferior ao “irmão” Somos tão jovens, apesar de ter empregado melhor, no momento de humor, a mistura entre música e cinema..
discordei só dos elogios ao trio principal.. acho que é culpa mais da produção do que deles, mas a composição deles (não sei se é a palavra certa) me soou um pouco ingênua e superficial..
boliveira me lembrou muito à dupla zé pequeno/ mané galinha.. maria lucia como uma maconheira, filha de senador, que odeia traficantes e depois acaba casando com um me pareceu uma personagem frágil de personalidade.. e o jeremias foi o pior com um bigodinho mexicano, nariz estranho, fazendo um tony montana meio bobalhão, me pareceu um vilão de desenho animado..
concordo com o elogio sobre os secundários (pai do santo cristo, calloni, pablo, marcos paulo etc)..
gostei que o diretor e o roteirista tentaram dar a versão deles (cada um tem a sua), mas não gostei do resultado final.. como você falou, aquele ar de “três homens em conflito” no fim do filme destoou do resto.. mas valeu a intenção..
Observações interessantes, Rafael. A composição visual do Jeremias vai mesmo por esse caminho, mas a interpretação do Felipe Abib consegue melhorar o personagem. Obrigado pelo comentário!
Sinceramente, o filme foi como se pegassem uma obra prima e estragassem completamente a sua imagem. O filme traz a história de João TOTALMENTE fora da ordem cronológica da música. O filme traz mais cenas de gente fumando maconha e transando do que o contexto original da música, sem contar as várias partes da vida de João que foram “esquecidas”, como por exemplo, João não roubou dinheiro de igreja alguma quando criança, ele comprando a passagem e indo a salvador, encontrando o boiadeiro e aceitando a passagem para Brasília, ele indo a zona da cidade e conhecendo Pablo, a parte em que o senhor de alta classe aparece lhe fazendo uma proposta, e mais outras coisas. Mas o que mais me irritou, foi no final do filme, no duelo entre João e Jeremias. Primeiramente: onde estavam as câmeras filmando João chamar Jeremias para um duelo? E depois, aonde estava o “todo o povo” que “sem demora foi lá só pra assistir”? Era um local desértico, sem ninguém por perto, somente João, Jeremias e Maria Lúcia. Para piorar, “Um homem que atirava pelas costas e acertou o santo cristo e começou a sorrir”. O TIRO FOI NO PEITO DE JOÃO. E Maria Lúcia já estava com a Winchester 22 em mãos, e Jeremias já havia acertado ela, ou seja, ela não levou a winchester para João quando ele estava caído. E porque João não falou “Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é, eu não atiro pelas costas, não. Olha pra cá filha da puta sem vergonha dá uma olhada no meu sangue, e vem sentir o teu perdão”? Pra terminar, ninguém viu o duelo em TV alguma, ninguem considerava João santo porque sabia morrer. A narrativa do filme foi TOTALMENTE distorcida, se comparada a música, não chega nem perto de ser fiel.
Muito bom! Só achei que poderia ser mais detalhado, tem algumas passagens da música que não aparece no filme, principalmente do começo. E cade o povo assistindo o duelo? (Tá certo que iria ficar meio bizarro)
Giacomo, filme fiel à origem é coisa rara. O fato de ter sido adaptado para retirar o aspecto de circo dado pelo Renato Russo parece uma decisão acertada, ao dar um tom mais sombrio característico de far west, e tirar aquela farofada toda de espetadas contra a ditadura, que nem governa mais.
A beleza das várias versões de uma mesma história é a diversidade. Por exemplo, a versão do Sherlock interpretada pelo Robert Downey Jr não tem muito a ver com os sherlocks anteriores, mas ainda assim é bastante interessante.
Odiei!! Interessante a idéia de fazer algo diferente, mas que desse outro nome ao filme. Concordo com os comentários acima, pra mim ficou um “Cidade de Deus 2″. O duelo é a melhor parte, a fala do João é a melhor… e cadê??
Fiquei frustrada… decepcionada.
Eu sou muito leigo, e muitos possam, até achar primário da minha parte, pelo pouco que conheço de produção cinematográfica, apesar do diretor não ter um Elenco de peso Exceto M Paulo e Atonio Calloni, no entanto bem comprometido, por tanto, o Marketing girado em torno do filme, criou uma expectativa muito grande por parte dos expectadores, assim como eu, outros fãs não só da lendária Legião Urbana e sim amante das obras do Renato Russo, eu particularmente acho que o Diretor deixou a desejar fugindo demasiadamente do cenário que a musica retrata de fato, acarretando num contexto geral essa frustração por parte dos expectadores, que aguardavam ansiosamente pela Estreia deste Épica e tão sonhada obra transcrita cinematograficamente.
Muito bom o filme!! E realmente não tem como ser tão fiel a música, foi maravilhoso! Parem de por defeito em tudo, tentem fazer melhor então!!!
Mais uma produção pífia do cinema Brasileiro.É uma ofensa a obra de Renato Russo.René Sampaio provavelmente não fará mais nenhum longa.Sepultou-se.Aguardaremos o próxima tentativa de entender Renato Russo.
Nusss, perdi meu tempo vendo esse lixo. Imagino que todos os Legionários de plantão estão com o mesmo sentimento. Faltou simplesmente tudo. Ow, o diretor desse filme se tiver ouvido a música 3 vezes em toda sua vida, foi muito…lixo!!!
A galera quando quer tacar o pau não economiza esforços, né? rss
Gostei. Só achei que no meio dá uma quebrada e perde um pouco o foco e confesso que bateu uma leve decepção (ou frustração…ainda não decidi) em não ver ” as bendeirinhas e o povo a aplaudir (…) o sorveteiro (…) e a gente da TV que filmava tudo ali”
Agora a Maria Lúcia de Isis Valverde só não ficou mais perfeita por falta de tempo. Fez jus; salvou o filme.
Aguardo resposta, galera. Abraço!
Só pra complementar…
Vamos desencarnar menos e curtir mais; aprendi a ser menos exigente depois de assistir um filme relativamente novo (não vou falar aqui pra não de zoeira kkk) que segue à risca o que a literatura já dizia e é MTO ESTRANHO vc já saber o que vai acontecer antes de assistir, (spoiler total kk) mas…
Cada um tem a SUA idéia de como seria o fime ideal (eu, por exemplo, sempre imaginei o Jeremias também negro, mas deixa pra lá), mas, para os que queriam um “videoclipe” à moda “Eduardo e Mônica”, aí vai… (se permitirem a postagem de links, claro; caso não, podem deletar o post sem prévia notificação :-\ rs)
https://www.youtube.com/watch?v=YwohOnDFi00
kkkkk…
O filme foi bom, galera.
Aguardo resposta. Abraço