O Festival Internacional de Berlim, conhecido carinhosamente como Berlinale é um dos mais prestigiados festivais da Europa – a meu ver apenas atrás de Cannes – e o primeiro grande evento no calendário do cinema mundial que abre a temporada no ano. Com uma importância histórica inestimável – sua criação durante a Segunda Guerra Mundial, serviu para estimular a arte contra a guerra – o evento hoje é fundamental para sétima arte principalmente por valorizar trabalhos de diversos lugares do mundo.

Este ano, a 66º do Festival teve como presidente do júri, a atriz Meryl Streep. Fizeram também parte do grupo, o ator Clive Owen, a fotógrafa francesa Brigitte Lacombe, a atriz italiana Alba Rohrwacher, o ator alemão Lars Eidinger, o crítico britânico Nick James e a cineasta polonesa Malgorzata Szumowska.

O cinema nacional geralmente colhe bons frutos no festival: Tropa de Elite de José Padilha faturou o Urso de Ouro em 2008 e ano passado Que Horas Ela Volta? de Anna Muylaert chamou pela primeira vez a atenção do mundo em Berlim. A diretora, por sinal retorna este ano na mostra paralela com Mãe Só Há Uma. Além dela, os documentários Curumim, de Marcos Prado e Das Águas Que Passam, de Diego Zon são os outros representantes brasileiros no evento – apenas o segundo concorre na mostra principal.

Por isso, o Cine Set traz cinco destaques da Berlinale que podem chamar atenção no circuito cinematográfico durante o ano, apostas as quais você deve ficar atento – as orações também já podem começar para que as redes de cinema de Manaus tragam alguns deles para a cidade. Vale ressaltar que a lista do festival deste ano foi bem política, já que 60% dos filmes apresentaram esta temática, isto é, obras engajadas e focadas em temas atuais.

  1. Antes o Tempo Não Acabava – O jovem índio na Metrópole

 Se há algo que alegrou os cinéfilos amazonenses nos últimos meses, foi à seleção de um representante da cena amazonense no festival: Antes o Tempo Não Acabava da dupla de cineastas Fábio Baldo e Sérgio Andrade. Apresentação do filme aconteceu na última quinta-feira (dia 18), lotando o conceituado Zoo Palast acompanhado por uma calorosa receptividade do público e crítica. Rodado em Manaus, seguimos o jovem indígena Anderson Tikuna, que abandona a sua aldeia para se descobrir na metrópole. Se seguir a sensibilidade mostrada em A Floresta de Jonatas, Sérgio junto com Fábio tem em mãos uma das mais interessantes jornadas de busca da identidade e da sexualidade, repletos de dilemas morais gerados pelo conflito entre as tradições culturais e o livre-arbítrio. Sem dúvidas, uma das estreias mais aguardadas na cidade do bodó e do tucumã.

  1. 24 weeks – A polêmica e controvérsia do festival

A primeira polêmica do festival acredite se quiser não foi o filme de Spike Lee – que passou fora da competição principal – e sim o trabalho dirigido pela alemã Anne Zohra Berrachede responsável por um dos temas mais polêmicos da atualidade: a legalização do aborto. 24 Weeks mostra o drama de uma comediante que descobre no sétimo mês de gestão que seu bebê tem síndrome de Down e problemas cardíacos, por isso precisa decidir se fará o aborto. O público ficou dividido: enquanto uns ficaram chocados, abandonando a sessão, outros ficaram emocionados e aplaudiram ao final dela. Em tempos que a discussão sobre a legalização do aborto aumenta na mídia, o filme vem para apimentar ainda mais o debate. Muitos apontam que Júlia Jentsch é a principal favorita a faturar o Urso de Ouro de melhor atriz.

  1. A Lullaby to the Sorrowful Mystery – A sessão sem fim

O novo filme do cineasta filipino Lav Diaz ganhou contornos cinematográficos dignos de histórias surreais em Berlinale. Um daqueles “causos” que só quem participou da sessão poderá contar. O motivo? o filme tem nada menos que 8 horas duração. Há dúvidas se os aplausos dos sobreviventes ao final da sessão (dividida em duas etapas com intervalo para o almoço entre eles) foi em razão de acharem o trabalho uma obra-prima ou a felicidade pelo seu real final. Brincadeiras a parte, a nova obra do diretor – responsável pelo elogiado Norte, O fim da história (2015) – mostra um grupo de mulheres que vive na floresta e que partem na busca dos líderes da revolução filipina desparecidos durante as batalhas contra os colonizadores espanhóis. Com muitos planos-sequências e extensos momentos silenciosos, Diaz mostrar-se um amante do cinema de Tarkovski, abordando várias temáticas existenciais. Berlim jamais se esquecerá desta sessão. Ficaremos no aguardo futuramente da versão do diretor.

 4. Fuocoammare – O Documentário do momento

O documentário assinado pelo italiano Gianfranco Rossi foi um dos mais aplaudidos dentro do festival e por isso virou um dos favoritos para faturar o Urso de Ouro. Trabalha em cima de um tema não apenas atualíssimo, como toca na ferida da União Européia ao tratar da crise dos refugiados, o assunto do momento. O documentário vai de encontro com engajamento político do festival, além de emocionar o público com os seus personagens reais. As críticas apontam o trabalho de Rossi como corajoso em aprofundar de forma complexa, a situação dos refugiados na Europa. Ele utiliza a força das imagens para evidenciar a tragédia. O assunto é tão forte na Europa que o ator George Clooney se reuniu com a Chanceler Angela Merkel para discutir o assunto durante o festival.

5. The Commune – A casa coletiva dinamarquesa

Thomas Vinterberg é um cineasta que gosta de trabalhar com temáticas fortes como o abuso sexual situação vista em Festa de Família (1998) e A Caça (2012). O dinamarquês é também um dos responsáveis pelo movimento Dogma 95. Seu novo longa-metragem apresentado em Berlim é mais leve neste sentido, ainda que traga a visão social sempre interessante do diretor em analisar o sistema familiar dentro do prisma das inter-relações. Nele, o casal Anna e Erik se mudam para um casarão, em 1975, onde passam a dividir espaço com várias pessoas – uma espécie de casa coletiva que dá o título original do filme. Condensando amizade, amor e traços biográficos, o filme de Vinterberg foi um dos mais celebrados em Berlim, principalmente por emocionar o público com o seu texto dramático. De certo modo, o cineasta mostra que amor e amizades ainda têm muito a oferecer ao cinema.