Com uma poderosa abordagem sobre traumas masculinos, “Cicada” é um corajoso drama que aponta Matthew Fifer como uma nova voz do cinema queer dos EUA. O filme de Fifer e Kieran Mulcare, que estreou no Festival Outfest em Los Angeles e foi exibido no Festival de Londres deste ano, é uma ficção com fortes tons autobiográficos que tem potencial para ser um sucesso de público, principalmente em eventos e plataformas especializadas em conteúdo LGBTQ.
Fifer, além de co-dirigir, co-produzir e escrever o longa, o estrela no papel de Ben, um bissexual com uma libido hiperativa e bastante disfuncional. Quando ele conhece Sam (Sheldon D. Brown) no calor de um verão nova-iorquino, um homossexual ainda dentro do armário, a atração é imediata e, aos poucos, eles se aproximam. Porém, ambos chegam a essa relação cheios de bagagem emocional e o processo de se conhecerem acaba se tornando o processo de reconhecer e tratar feridas do passado.
“Cicada” tinha tudo para ser um projeto insuportavelmente autoindulgente. Para compor a dinâmica entre Ben e Sam, Fifer usa da sua própria história com Sheldon (seu namorado na vida real) – que recebe um crédito de história adicional – dando ao filme um ar que beira o docudrama. Esse viés é reforçado pelo trabalho do diretor de fotografia Eric Schleicher, que largamente opta por uma câmera observacional com um belo senso de composição, e pela música do compositor Gil Talmi, que intervém minimamente na narrativa com notas sintetizadas.
O roteiro, no entanto, é hábil em evitar a tentação de romantizar a próprio romance, optando por usá-lo como base para investigar partes pouco vista dos relacionamentos homossexuais. Através de Ben, ele explora como o sexo pode ser usado como uma forma de escapar do peso do trauma. Os primeiros 15 minutos de filme, que estabelecem o personagem, mostram uma sequência frenética de encontros sexuais que claramente não lhe fazem bem.
AMOR SEM PIEGUICE
Já Sam toca no delicado tópico da invisibilização do negro enquanto sujeito digno de afeto. Criado em um ambiente de forte repressão religiosa dentro de um país abertamente racista, ele sofre de uma auto-rejeição profunda que o fragiliza.
A cena em que ele conta a Ben sobre um episódio de violência ao qual sobreviveu é incrivelmente tocante. Nela, vê-se que mesmo num momento em que sua vida correu risco, o que mais lhe feriu foi a dor de não se sentir querido. É impossível não se impressionar com a nuance da atuação de Brown aqui, principalmente sabendo que ele revisitou detalhes de sua própria vida para fazê-la vir à tona.
A despeito de sua sintonia e de sua clara química sexual – ilustrada em cenas bem quentes – os protagonistas são claramente de mundos distintos. No entanto, eles são unidos pelos traumas que dividem em silêncio. Acompanhando a jornada deles em direção a uma vida mais aberta e leve, “Cicada” se mostra um romance adulto com certo otimismo, que vê nas relações uma chance de crescimento e acredita no amor sem ser piegas.