Na frente das câmeras, um apresentador autêntico, instintivo, carnavalesco, carismático e absolutamente original, que se tornaria uma lenda da TV brasileira. Por trás delas, um homem controlador, perfeccionista e angustiado em sua busca pela excelência e pela audiência, algo difícil de imaginar para os milhões de espectadores dos programas que apresentou na TV entre as décadas de 1950 e 1980. Essa dupla personalidade de Abelardo Barbosa, o comunicador que se transformava no Velho Guerreiro, é uma das facetas mais reveladoras de “Chacrinha”, cinebiografia que acaba de entrar em fase de finalização e chega aos cinemas este ano.

“O Abelardo sofria para viver aquele palhaço que as pessoas amam. A personalidade dele contrastava totalmente com a do Chacrinha. Era perfeccionista, exigente, rigoroso. Mas ambos eram malucos e certeiros”, diz Eduardo Sterblitch, que vive o personagem na juventude e contou com a valiosa ajuda de Stepan Nercessian nesse trabalho, considerado desafiador.

Além de ter conhecido Chacrinha e de ter sido amigo de seu irmão, o produtor Jarbas Barbosa, Stepan interpretou Chacrinha entre 2014 e 2017 no musical teatral de sucesso que deu origem ao filme, também dirigido por Andrucha Waddington. Por isso, foi a opção natural para encarnar o personagem na telona em sua fase mais madura.

“A gangorra emocional que o Chacrinha vivia é uma coisa assustadora. A impressão é que ele experimentava uma felicidade efêmera quando estava diante das câmeras apresentando o programa e uma angústia e uma tensão muito grandes quando saía dali por conta da luta para conseguir audiência”, conta Stepan, que, além de Eduardo, tem a companhia de Gianne Albertoni, Rodrigo Pandolfo, Pablo Sanábio, Thelmo Fernandes, Laila Garin e Marcelo Serrado, entre outros, no elenco.

A obsessão de Abelardo por qualidade tinha suas razões de ser. Desde o início da carreira de comunicador, este pernambucano de Surubim enfrentou obstáculos que iam da voz ruim à aparência física, passando pelo preconceito e até mesmo o estilo original que mais tarde o consagraria.

“O Chacrinha tinha tudo contra ele. No primeiro teste que fez para a rádio, o cara mandou ele voltar para Pernambuco. Brigou com muitos diretores de TV ao defender o seu estilo inovador e foi perseguido pela censura, pela igreja e pela sociedade psiquiátrica, que o chamava de débil mental”, conta Stepan, que demonstra enorme admiração pelo personagem.

O ator guarda com carinho na memória o dia em que participou do Cassino do Chacrinha, em 1982, quando o apresentador voltou para a Rede Globo. Os elencos de todas as novelas da emissora foram ao programa recebê-lo, incluindo o de “O Homem Proibido”, do qual Stepan fazia parte.

“Ele me deu uma sacaneada. Perguntou se eu era o David Cardoso, protagonista da novela, e reclamou que meu nome era difícil. Com ele era salto sem rede. O Chacrinha era ‘ao vivo’ até gravado. Ele era autêntico, impulsivo, numa época em que a TV era muito enlatada. Você não tinha certeza de nada do que iria acontecer. Sinto falta hoje de alguém assim com coragem de falar as coisas e de ser politicamente incorreto sem ofender. Ele virava e falava: “Meu filho, você é feio assim mesmo ou tá de sacanagem comigo?”. E o cara morria de rir (risos). Porque tinha um afeto nisso e ele também era feio. Ele seria youtuber hoje”, brinca o ator.

do site da Globo Filmes