Eram inacreditáveis as notícias daquele 2 de fevereiro de 2014. Mal a morte de Philip Seymour Hoffman por overdose acabara de ser confirmada em Nova York, os principais canais de notícias informavam sobre o assassinato de Eduardo Coutinho. Parecia um filme de horror, mas, era real. Para um jornalista com um blog de cinema, a missão era escrever: primeiro sobre a tragédia e, em seguida, uma homenagem mais trabalhada.

Terminados os respectivos posts, a sensação de vazio e tristeza se abateu em mim como se somente naquele momento pudesse realmente entender o que aconteceu e aceitar que os verbos para falar de Hoffman e Coutinho somente aceitariam as definições relativas a pretérito daquele dia em diante. O que mais me afligiu, entretanto, foi notar que o mundo seguia naturalmente. Pessoas nas ruas ou nos shoppings nem faziam ideia de que o Brasil perdia naquele dia um de seus maiores nomes da área cultural. Era mais um dia de domingo.

Sensação semelhante trouxe o dia 27 de agosto deste ano (dentro, óbvio, de uma escala BEM menor em relação ao fato citado acima). O anúncio do fim das atividades do Cinema em Cena deveria ser uma notícia para arrasar quem gosta de trabalhos de qualidade dentro do jornalismo e do universo da Internet. Afinal de contas, o site mineiro traz consigo uma história de 17 anos com um pioneirismo na cobertura da sétima arte.

Conheci o Cinema em Cena na época em que Internet era artigo de luxo no Brasil e acessá-la significava ficar sem usar o telefone. Havia um Charlie Chaplin na ponta esquerda superior da página principal e o layout arrumado chamava a atenção quando a maioria dos sites nem se importavam com isso pela prioridade de estar online. E havia Pablo Villaça. A facilidade da escrita do crítico mineiro tornava os textos obrigatórios de serem lidos após se assistir qualquer filme no início de minha vida cinéfila aos 12, 13 anos. Entre todas as análises, nenhuma me marcou mais que a crítica sobre “Magnólia”, uma dissecação sobre cada frase, ângulo, atuação e mensagens passadas pela obra-prima de Paul Thomas Anderson.

Se o Cinema em Cena reinava no começo do século atual devido à qualidade do material (a seção Cinenews era algo absurdo pela riqueza de informações) e os textos de Villaça, o avanço da Internet no Brasil e a crise no mercado impresso para publicações culturais levaram a criação de sites concorrentes de extrema qualidade. Cineplayers, Cineclick, Críticos.com.br, Adoro Cinema, Omelete elevaram ainda mais a discussão sobre cinema no mundo virtual.

O encerramento do Cinema em Cena anunciado pelo editor-chefe do site, Renato Silveira, deixa uma marca triste para a cultura brasileira. Independente de opiniões pessoais sobre os rumos seguidos pelo Pablo Villaça ao longo dos anos ou se tinha/tem outros espaços melhores na Internet sobre o tema, a perda do site fecha mais uma porta de reflexão e debate sobre arte no país. Sim, há muitos outros blogs/sites, mas, poucos reúnem um grau de relevância tão grande e com profissionais competentes (Antônio Tinôco, Stepanhia Amaral, os próprios Silveira e Villaça, além, claro, da colaboração amazonense de Isabel Wittmann na coluna “Vestindo o Filme”) como o C&C.

A comoção nas redes sociais e na seção de comentários foi grande a ponto de leitores sugerirem a criação de um crowdfunding (financiamento coletivo) para manter o site no ar. A notícia, porém, não chegou a causar grande impacto fora do circuito cinéfilo como se perder um espaço tradicional fosse algo normal. Nada de tristeza no meio de pessoas da área do cinema, muito menos de outros críticos. A vida seguiu e, caso não haja nenhuma novidade bombástica nas próximas semanas, o Cinema em Cena, igual a Revista Set, será conjugado no pretérito.

Para um país que fala tanto sobre mudanças, pouco ligamos para quem nos faz refletir.