First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers” (idem, 2017) é a primeira empreitada de Angelina Jolie na direção de um longa para o serviço da Netflix. O fracasso de público e crítica com seu filme anterior, o drama pessoal “À beira-mar” (By the sea, 2015), dialogou com as inevitáveis notícias sobre a separação da também atriz e Brad Pitt, numa enxurrada de má publicidade ao nome de ambos. Dessa maneira, foi uma esperta decisão a da diretora em se aproximar de uma temática cara a ela, que tem um filho de origem cambojana, mas que não se permitisse ofuscar pelo brilho dos tabloides.

O resultado é um filme baseado na história real da ativista Loung Ung, cuja infância foi marcada pela tomada do poder pelo Khmer Vermelho e por ter sobrevivido aos campos de trabalhos forçados e de assassinato dos inimigos do regime. Com um início vertiginoso, “First they killed my father”chama a atenção, de cara, pelo esmero visual. A direção de fotografia de Anthony Dod Mantle (de “Quem quer ser um milionário”, “Rush” e “127 horas”) trabalha com certa regularidade no que diz respeito à representação de uma determinada época e determinado lugar (no caso, o Camboja dos anos 1970), focando nos tons quentes e alto contraste que tanto combinam com ambos.


QUANDO A CONVENÇÃO SERVE À TRAMA (E QUANDO NÃO SERVE)

Em “First they killed my father”, Jolie vai e volta, por vezes confusa, em suas decisões criativas. Temos, por exemplo, uma abertura que trabalha longamente com uma canção apoteótica dos Rolling Stones e imagens de arquivo que explicam o contexto histórico ao espectador não necessariamente afeito ao tema, tudo com uma pegada que dá a entender certa rigidez à narrativa, que se torna um pouquinho mais “descolada” apenas graças à música. Logo depois, seguimos o cotidiano de cores perfeitas da família de Loung, com os cômodos cheios da alegria das vozes de seus irmãos e pais, e o tom quase lembra o de algum filme de Wong Kar-Wai.

A escolha de Jolie pela insistência em movimentos incessantes de câmera dá um ar de sonho a esse início do filme, quando a família de Loung ainda está unida, antes da tomada pelo Khmer Vermelho. Isso gera certo incômodo, dado o ar fantasmagórico que a narrativa parece ganhar, mas se justifica mais a frente, quando os planos se tornam mais convencionais, estáticos, e sóbrios. Os laranjas do país ditatorial vão abrindo espaço aos tons mais fechados de verdes e marrons pós-vitória do Khmer, e novamente a convenção ganha espaço através da paleta de cores.

É na sutileza dessas convenções que Jolie, curiosamente, cresce como diretora. A narrativa de Loung Ung, interpretada pela expressiva atriz iniciante Sareum Srey Moch, é, por si só, potente; logo, não demanda recursos como música redundante para intensificar tensões, flashbacks explicativos logo após diálogos expositivos sobre os mesmos ou tomadas gerais com cara de “olha que drone legal que eu consegui para o filme”. Quando Jolie opta por usar esses recursos, para só citar três exemplos, são justamente os momentos em que o filme se enfraquece e descamba para a dúvida sobre a capacidade do espectador de interpretar o que assiste. Pior: ao invés de destacar aquilo que quer ressaltar, acaba por tirar o impacto por tratar o fato como clichê cinematográfico.

Por isso, quando a câmera se estabiliza e quase ameaça se distanciar, é quando o filme ganha maior força e a direção parece ter mais certeza do que quer e faz. Também casa muito bem com temas subjacentes do longa, como os processos de desumanização e perda de individualidade através da doutrinação político-ideológica. Nesse sentido, é especialmente interessante o ponto de vista de Loung, que, ainda que repleto de lacunas, permite com que nos identifiquemos com os elementos básicos de emoção na narrativa com olhos ainda “inocentes”. Com isso, coisas básicas como a separação da família, a fome e o constante medo da vigilância conseguem se destacar mais que as falhas do filme.

Detalhes aqui colocados como negativos conseguem, provavelmente, passar despercebidos para o espectador médio, imerso que ele fica na triste trama da pequena. Ainda que bem longo – o filme tem mais de duas horas de duração – “First they killed my father” apresenta um roteiro que dá conta de manter bons pontos de interesse mesmo quando as escolhas de direção já citadas consomem tempo de forma desnecessária. Não deixa de ser um feito digno de nota para Jolie, que assina o roteiro junto a própria Loung Ung, que escreveu o livro de memórias em 2000 no qual o filme se baseia.

Com “First they killed my father”, o bom produto final carece de maior profundidade, ficando aquém de um “Os gritos do silêncio” (The Killing Fields, Roland Joffé, 1984), por exemplo. Ainda assim, o indicado cambojano a uma vaga de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2018 tem méritos, como incitar à reflexão sobre a temática, ainda que seja através do nome (conhecido em outras searas) de sua diretora, tal como tornar palatável um assunto que, a princípio, não chamaria atenção tão facilmente do público em geral.