No momento em que os primeiros acordes de “Perfect Illusion” começaram a ser ouvidos por fãs de todo o mundo, há um ano, já se sabia: Lady Gaga estava de volta, mas não era mais a mesma. Pudera. Os últimos anos foram um furacão na vida da cantora: um álbum (‘Artpop’) cuja divulgação não rendeu tanto quanto ela gostaria, uma bem-sucedida incursão no jazz, uma participação na série ‘American Horror Story’ (que lhe rendeu o Globo de Ouro) e duas apresentações no Oscar que fizeram muitos desavisados virarem fãs da popstar para a qual antes torciam o nariz… Isso sem falar nos problemas pessoais, como a doença da melhor amiga (morta neste ano) e as seguidas crises de saúde dela mesma – que, em uma infeliz coincidência, a fizeram cancelar o show no Rock in Rio e a adiar a turnê europeia do álbum “Joanne”.

Ufa! Não é de se surpreender que Stefani Joanne Angelina Germanotta quisesse dividir as experiências que a levaram a compor o seu último disco, e também não é chocante que o resultado seja tão pessoal quanto os versos de, sei lá, “Grigio Girls”. O resultado que se tem em “Gaga: Five Foot Two” consegue captar a atenção até daquele que ainda vê a artista como a jovem excêntrica que anda um tapete vermelho em cima de um cavalo mecânico, a despeito de todas as transformações públicas pelas quais ela passou.

Dirigido por Chris Moukarbel, o documentário não poupa o espectador da loucura que é ser uma popstar em constante vigilância por parte do público. O filme inicia com imagens do Super Bowl, palco da consagração mais recente da estrela, neste ano, mas logo volta alguns meses no tempo para nos apresentar uma Lady Gaga sem maquiagem e com o cabelo por pentear, interagindo com os cachorros e conversando com a família sobre as “bobagens de macho”, referindo-se ao ex-namorado, o ator Taylor Kinney. É uma imagem diferente para quem se acostumou a ver Gaga sempre montada, mas, algumas cenas depois, a própria explica que os looks extravagantes eram como uma resposta à gravadora e aos empresários, que queriam que ela fosse uma popstar sexualizada. Esse contraste é evidenciado por uma montagem que faz o público lembrar das roupas chamativas que marcaram a carreira da popstar (que, volta e meia, retorna aos looks maluquinhos, deve-se dizer).

A dona do hit ‘Born This Way’ leva o espectador a todo o processo de gravação de “Joanne”, assim como a apresentação do intervalo do Super Bowl. Há aparições do produtor Mark Ronson (responsável pelo som mais roqueiro do disco) e da cantora Florence Welch (com quem Gaga divide os vocais na feminista ‘Hey Girl’), mas os coadjuvantes que permeiam a vida da estrela não são famosos. As stylists com quem ela conversa – de topless, sem a menor cerimônia – sobre o look mais simples da nova fase da carreira, a amiga Sonja que liga para avisar Gaga sobre uma nova internação (ela morreria meses depois), e, finalmente, a família dela, inspiração para “Joanne”. Conhecemos a irmã e a mãe da cantora, porém o documentário se ocupa mais de momentos de Stefani com o pai e a avó paterna, que conviveram com a Joanne que deu nome ao álbum, uma tia que ela nunca conheceu, morta aos 19 anos em decorrência do lúpus (doença que a cantora revelou ter). A interação da cantora com a avó e o momento em que ela mostra a canção que dá título ao álbum emocionam ainda mais pela reação do “papai Gaga”.

As imagens mais fortes, no entanto, são as de Gaga sofrendo com dores que posteriormente descobriria serem sintomas da fibromialgia, doença que a tirou do Rock in Rio há duas semanas. Ao mesmo tempo, a relação passional com os Little Monsters (nome dos fãs da cantora) fica ainda mais clara quando se percebe que o alento de Gaga em meio a todo o circo da fama é justamente o amor dos admiradores de seu trabalho – e não apenas fãs de um ou dois singles, mas sim pessoas que tiveram suas vidas mudadas pelas canções dela, como uma jovem que a faz chorar ao falar da importância de “Born This Way” para a sua vida.

A câmera a acompanha com a avidez de quem filma um reality show, fascinada pelo objeto em cena. Ao passo em que vamos de encontro aos momentos mais – literalmente, para ela – doloridos do longa, a proximidade fica cada vez mais desconfortável, até que, quando ficamos ‘colados’ com Gaga no tapete vermelho da festa para Tony Bennett nos minutos seguintes, percebemos que a cantora vive sob um microscópio e que seus momentos de maior conforto são no palco. Quando a popstar entoa uma bela versão de “Bad Romance” no piano, a letra da música se transforma e entendemos que o “romance doentio” que ela sofre é com a fama e com tudo o que ela traz, bom ou ruim.

“Five Foot Two” é um filme tão engraçado quanto é tocante, e que acerta ao condensar apenas algumas passagens pontuais dos últimos anos de Gaga em vez de fazer um documento prematuro sobre uma artista consciente de que ainda vai entregar a sua grande obra. Ouvir a cantora em suas próprias palavras – ditas e cantadas – é o suficiente para que o fã ou o não fã entenda o poder de uma estrela em constante evolução, a despeito das expectativas da indústria. É aquele ditado: seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo.