Com a repercussão do movimento ‘Time’s Up’ em Hollywood, esse parece ser o momento certo para a construção de personagens femininas multifacetadas em séries e filmes. A partir dessa proposta, é possível encontrar diversas boas produções atuais como “Big Little Lies” e “The Handmaid’s Tale“, que voltam sua atenção para protagonistas femininas e suas problemáticas.

Na tentativa de seguir esse propósito, “Good Girls” apresenta três mães que decidem realizar um assalto para quitar dívidas das respectivas famílias. No decorrer da trama, as personagens devem enfrentar as consequências de seus atos, situação que apresenta esforços perceptíveis dos roteiristas para entregar uma história que o público possa comprar. Apesar deste objetivo ser cumprido e a série se encaminhar para uma segunda temporada com boa aprovação do público, o seriado ainda mostra dificuldades de desenvolvimento neste primeiro momento.

Beth Boland (Christina Hendricks), Annie Marks (Mae Whitman), Ruby Hill (Retta) são as três protagonistas da história. Beth é casada e precisa lidar com a infidelidade do marido, além da má administração do dinheiro, que quase os faz perder a casa; já sua irmã, Annie, não conta com um par romântico e luta pela guarda de sua filha, Sadie Marks (Izzy Stannard). A terceira personagem principal é Ruby que lida, ao lado do marido, com a doença da filha, limitando a vida do casal a preocupações e constante dificuldade financeira. A partir destes cenários, as personagens buscam um controle de suas respectivas vidas financeiras, atraindo um protagonismo inesperado para a vida de cada uma.

Neste sentido, a série mostra um enorme incentivo para que as personagens não fiquem restritas apenas ao papel de mães e esposas, tocando em assuntos como independência financeira, trabalho e empoderamento pessoal. O grande artifício para esses elementos dialogarem entre si e com tramas mais tradicionais é utilizar as três personagens juntas e tornar esse relacionamento constante na série sem deixar de desenvolver suas histórias de forma separada.

Beth, Annie e Ruby são os principais atrativos da série e grande parte do bom desempenho não vem de suas construções no roteiro, mas sim das atuações realizadas pelas atrizes. Após atuar durante muito tempo em ‘Mad Men’, Hendricks é apontada para ser a líder do grupo, apesar do protagonismo e coragem assumidos pela personagem, sua trama volta diversas vezes para a situação com o marido, uma história cansativa que é explorada até o último minuto (literalmente) da primeira temporada. Assim, apesar dos avanços, Beth continua presa ao passado e a velhos hábitos.

Da mesma forma, Mae Whitman se livra de papéis relacionados ao drama adolescente como protagonizou em ‘Parenthood’ e ‘As Vantagens de ser Invisível’ para receber um papel mais maduro. Devido a idade, a personagem se relaciona diretamente com o público jovem, mostrando um lado mais irresponsável e rebelde, que ganha novos ares ao dividir a tela com Sadie, a filha que quer se vestir com roupas masculinas e não quer se separar da mãe. A combinação entre mãe e filha gera os diálogos mais interessantes de Annie durante a série e, ao final dos episódios, é possível perceber que sua evolução acontece.

A real complexidade no trio de amigas é atribuída a Retta. A atriz consegue deixar de lado a linguagem cômica que possui (apesar de vários vestígios) e encarar um enredo mais dramático. Em muitos episódios, Retta fica responsável por levar a carga emocional da série, onde também é atribuída a urgência das escolhas do trio.

Fora o carisma e presença das personagens principais, as tramas ao redor falham em sustentar o argumento da série. Novamente, Ruby brilha por apresentar uma família relevante e presente na sua história, Beth sustenta uma relação com o ex-marido que não se encaminha para novas tramas, fazendo a personagem retroceder e Annie aparece em diferentes linhas narrativas sem se comprometer com nenhuma.

Uma das poucas tramas extras que consegue instigar o espectador é a apresentada por Rio (Manny Montana), parceiro de negócio que o trio precisa lidar. Mesmo sem voltar muita atenção para o personagem, sua interação com Beth rende boas expectativas para o próximo ano da série e a atuação de Montana também surge como uma surpresa agradável.

Mesmo com situações dramáticas, Good Girls conta bastante com o humor, entretanto essa relação entre os dois gêneros apresenta dificuldades de ritmo. A maioria dos diálogos presentes na série possui um tom cômico, buscando ironizar as situações desconfortáveis que as personagens passam. Porém quando a história realmente apresenta empecilhos e situações sérias, o ritmo muda bruscamente junto com o diálogo, seriedade que não é levada em frente sendo quebrada pelo humor logo depois.

Ao final, a sensação passada pela série é que existem bons aspectos em sua história e uma boa proposta de Jenna Bans, criadora da série, porém a ausência de elementos que justifiquem sua trama e garantam uma evolução das personagens multifacetadas é facilmente sentida. A série ainda dá indícios de crescimento das personagens no último episódio, situação que deveria ser mostrada em seu desenvolvimento. Além desses aspectos, a vontade de embarcar na onda do empoderamento feminino se torna visível em diálogos que não precisariam reforçar a cena mostrada, se tornando um entretenimento previsível e cansativo.