O Cine Set lança o novo site com uma série de entrevistas com os sete candidatos ao Governo do Amazonas. Propostas para o setor, a falta de cinema no interior do estado, o curso de audiovisual da UEA e a situação do atual secretário de cultura, Robério Braga, são temas discutidos nas conversas com os postulantes ao cargos.

Pela ordem alfabética, Abel Alves é o primeiro entrevistado pelo Cine Set. Com passagem pela Assembleia Legislativa do Amazonas após um mandato como deputado estadual, o atual candidato do PSOL concorre pela primeira vez ao Governo estadual.

Cine Set: Primeiro, gostaria de lhe perguntar sobre o Amazonas Film Festival. Qual a sua opinião sobre o festival? Já o visitou?

Abel Alves: Não, nunca o visitei. Mas eu acho que toda promoção cultural é bem-vinda. Agora, para que se promova, tem que haver alguns critérios. Porque não se pode se deixar alienar só porque é cultura. Em qualquer projeto tem que haver vínculos com o dia-a-dia das pessoas, para que elas evoluam, para que elas façam crítica, ou autocrítica, daquilo que elas veem e apreciam. Para mim, cultura é isso. Agora, trazer culturas alienígenas, de outros cantos por aí, não é bom para ninguém. Não me incomoda a vinda de astros da Globo para o Festival porque, de qualquer forma, eles têm o contexto da realidade nacional. Porque, graças a Deus, temos um país no qual o idioma que se fala no Rio Grande do Sul se entende aqui, e o que se fala aqui se entende lá. Às vezes muda o sotaque, mas o português é o mesmo. Eles são focados na realidade deles, e aqui temos outra realidade, mas até me parece que ultimamente eles têm vindo aqui para o Amazonas fazer filmes. Por exemplo, eu já encontrei vários atores da Globo indo para o Mamirauá, o projeto de sustentabilidade que, em termos turísticos, agrega muita coisa para aquela região: Tefé, Maraã, Fonte Boa, que é onde está o projeto.

Cine Set: O senhor conhece um pouco do cinema amazonense? Já teve oportunidade de ir a uma mostra, por exemplo?

Abel Alves: Temos um tefeense, que inclusive até começou um projeto de filmagem, de cinema. Ele tem ido a outros lugares, como a Argentina, por exemplo, participar de eventos. É um caboclo tefeense (risos). Agora não me ocorre o nome dele, pois tenho mais contato com o irmão dele. Mas ele está sempre viajando e tem um projeto com atores locais [NOTA DO CINE SET: O candidato se refere ao produtor e cineasta Orange Cavalcante da Silva].

Cine Set: Esse é outro ponto válido, a presença do cinema no interior. De todos os municípios interioranos do Estado, apenas Itacoatiara tem sala de cinema. Como fazer para mudar isso?

Abel Alves: Vou te contar, cinema no interior só lembro do antigo SESP, órgão da saúde publica. Eles tinham filmes e passavam para as comunidades, lá pelas 19h, quando escurecia. E sabe qual era o nome do filme? “Pedro Malasarte”. Ele falava sobre a malária, o mosquito… Era um filme educativo. Então, nós regredimos nessas coisas, porque hoje nem isso tem. Em Tefé, os padres também tiveram sala de cinema. O que nós podemos fazer é o seguinte: podemos tentar estimular isso para quem queira, no interior, colocar uma sala de cinema. O Estado pode muito bem fazer isso, mas isso é uma atividade eminentemente privada. Alguém que for fazer isso precisa ter por interesse o lucro. Suponhamos que alguém se aproxime do governador eleito e diga “quero montar salas de cinema em Tefé, em Benjamin Constant, em Parintins”. Tendo um projeto, nós vamos ajudar. Acho que o Estado pode fomentar isso, mas não acho que somente ele pode ser o ator desse processo. Ele pode participar e até subsidiar.

Cine Set: Há alguns meses, o Cine Set promoveu uma discussão sobre a possibilidade de montar uma sala de cinema em Manaus diferenciada, longe dos shoppings e que pudesse servir para exibir filmes locais e produções que nem sempre chegam ao circuito comercial da cidade. Vemos, por exemplo, em São Paulo, o governo do Estado em parceira com a iniciativa privada, revitalizando antigos cinemas de rua. Em Manaus não há algo parecido. Como mudar isso?

Abel Alves: Com referência aos prédios antigos daqui que foram cinemas, todos se acabaram. O Avenida é onde é a Bemol hoje, o Odeon é onde hoje é o prédio na esquina da Eduardo Ribeiro com Saldanha Marinho. O Guarani é onde hoje é um Itaú. E ainda tinha o “Poeira”, não sei se vocês lembram, que era o popular (risos). Bem antigo. Hoje é uma farmácia lá. E tinha o Éden ali na Jonatas Pedrosa. Enfim, acho que é possível fazer isso. Mas isso precisa estar dentro de um plano cultural de governo, para fazer com que se reinicie o processo de fazer as pessoas voltarem a ir ao cinema não apenas com o sentido comercial, mas com um sentido cultural e histórico. Por exemplo, em Recife, existe o Cine São Luís, que é histórico e pertence ao grupo Severiano Ribeiro. Lá, todo sábado de manhã eles passavam esses filmes que não eram comerciais. Ele ainda existe, pois é visto até com um viés turístico.

Cine Set: O senhor considera o audiovisual/cinema como uma área prioritária para se investir, culturalmente?

Abel Alves: Não. Relato que, dentro do meu projeto de governo, não há nada com referência a isso. Sou sincero, não sou megalomaníaco, sou uma pessoa real. Acho que estamos esquecendo as nossas raízes, nossas origens. As danças, por exemplo, que vieram de Portugal, do tempo da colônia, como As Pastorinhas. Em Tefé existem muitas histórias. Por exemplo, você sabe que a ciranda não é de Manacapuru, ela veio de Tefé. Aqui em Manaus, nos antigos festivais folclóricos, trazíamos de Tefé os índios cacetinhos. E várias outras manifestações culturais localizadas… As raízes culturais do médio Solimões são muito fortes, mas nós estamos esquecendo isso. Não sou contra que ninguém traga outras manifestações culturais, como jazz e ópera. Mas acho que também tem que haver um pouco do que é nosso. O cinema, que discutimos, pode ser uma forma de resgatar essa história dos nossos antepassados.

Cine Set: Durante anos se falou em instalar uma faculdade de cinema na UEA. Houve apenas a implantação de um curso técnico em audiovisual, o qual chegou a correr risco de ser fechado. Falta investimento no campo educacional nessa área?

Abel Alves: Veja bem, eu acho que o projeto da UEA talvez tenha sido o único desse pessoal, que está aí há 30 e poucos anos, que foi consistente. Ele dá oportunidade para as pessoas, para a juventude, de avançar, ter um norte, uma profissão. Isso, eu não escondo nem deixo de elogiar. Afinal, convivo com essa realidade no meu município. Eu acho que a UEA tem que focar nas coisas mais reais. Por exemplo, em vários centros só tem Pedagogia, História, Geografia… Acho que falta avançar em coisas mais reais: outros cursos que façam com que as pessoas não sejam apenas professores. Quanto à manifestação cultural, teremos que avaliar, incentivar e custear, pois é uma coisa interessante. Digamos que cursos assim são “varejos”, temos que investir nas coisas mais reais, na tecnologia, na informática, essas coisas do futuro. Claro que quem gosta de cinema irá nessa direção, mas creio que nosso programa de governo precisa focar no que seja real, algo que abra possibilidades para a nossa juventude. E o lazer, um bom cinema, com ar condicionado, quem não gosta, né? Mas tá caro (risos).

Cine Set: O secretário Robério Braga comanda a Secretaria da Cultura do Estado há mais de uma década. O que o senhor acha da gestão dele? Pretende mantê-lo no cargo?

Abel Alves: Eu acho o seguinte: conheço o secretário e já fizemos uma parceria no primeiro mandato do prefeito Artur Neto. Eu era secretario do meio ambiente e transferi a secretaria, lá de onde é hoje o horto florestal, para o Parque 10. E no Parque 10 existia um pavilhão muito bonito, onde eu fiz o memorial Álvaro Maia. Uma inauguração belíssima, com parentes do Álvaro Maia, um dos grandes homens públicos do Estado. E o Robério cooperou: ele tem um arquivo muito bom. Fizemos uma grande festa e resgatamos a história desse grande político, mas isso foi há uns 20 anos e hoje acho que acabou. Acho que, se eu for eleito, ele não permanecerá secretário. Porque com o tempo, as coisas ficam cansativas. Uma pessoa que fica anos e anos a fio em qualquer área de poder… A reeleição já traz problemas, imagina o caso de um sujeito que não precisa se reeleger, não precisa buscar o voto. Acho que não é legal. Não tem a ver com essa matéria, mas se eu for eleito, grande parte do segundo escalão do funcionalismo desse Estado vai rodar, será substituído. Porque não adianta mudar o secretário se a estrutura fica a mesma. Vamos dar oportunidade para gente nova, gente que fez concurso agora, e assim será também na Secretaria de Cultura. Nada contra a figura do secretário, mas as coisas me parecem emperradas. Precisamos de novas manifestações: o Boi é muito bom, o Jazz também, a Ópera… Mas precisamos também resgatar o que é nosso.

Cine Set: Para terminar, como o candidato vê a cultura na formação de uma sociedade e qual deve ser a participação do Estado nesse setor?

Abel Alves: Acho que existe uma cultura alienada e outra que engrandece as pessoas. Eu trabalhei num governo popular, e nos movimentos populares e culturais de Recife. O que fazíamos lá se integrava ao dia-a-dia das pessoas. Agora, uma cultura alienada, que não tem a ver com a realidade das pessoas, não soma nada, eu sou contra isso. Acredito que a cultura é importante, desde que direcionada nesse sentido: resgatar aquilo que você tem, que você é, e o que pode projetar para o futuro, para a coletividade. Para que as pessoas possam curtir um teatro popular e que a vida dele esteja representada nos atores. Essa é a minha visão: nada que venha a fazer sonhar uma coisa irreal, algo que quando acaba você percebe que não somou nada a você.