O Cine Set lança o novo site com uma série de entrevistas com os sete candidatos ao Governo do Amazonas. Propostas para o setor, a falta de cinema no interior do estado, o curso de audiovisual da UEA e a situação do atual secretário de cultura, Robério Braga, são temas discutidos nas conversas com os postulantes ao cargos.

Pela ordem alfabética, o candidato do PCB, Luiz Navarro, é o quinto entrevistado pelo Cine Set. Ele disputa o cargo de governador do Amazonas pela segunda vez.

Cine Set – Para começar, gostaria de falar um pouco sobre sua visão sobre cultura em geral. Para o senhor, qual é o papel da cultura na formação de uma sociedade?

Luiz Navarro – Eu acho que o papel da cultura é resgatar nossos valores do passado. Para isso, é preciso que nós não nos esqueçamos de que o nosso passado é muito importante para que não venhamos a cometer erros no futuro. Daí vêm as danças, os festivais, o cinema, tudo isso é importante para registrar e mostrar a gerações futuras como vivíamos e o que representava pra nós aquele modo de viver.

Cine Set – E qual deve ser a participação do Estado nesse setor?

Luiz Navarro – O Estado tem que participar com o financiamento do processo. Pra você montar uma dança, por exemplo, é caro. O Boi de Parintins não é barato, pra montar todo aquele cenário. O Estado tem a obrigação e o dever de financiar os movimentos culturais. Nas óperas, por exemplo, em vez de continuar copiando os modelos europeus, nós poderíamos montar as óperas com os nossos temas. Poderíamos pegar o índio Ajuricaba, que é o nosso maior ícone de liberdade, livros do Thiago de Melo, enfim. Isso é resgatar a cultura, é mostrar pras gerações futuras o conteúdo do nosso passado. Tenho certeza que o governo tem que se empenhar em financiar estes movimentos culturais.

Cine Set – Nesse sentido, o senhor acha que falta estímulo em relação à formação cultural?

Acho que falta melhor direcionamento, na verdade. Não sei se os estímulos são suficientes, mas isso é algo que teríamos que examinar junto à sociedade. É preciso examinar o assunto com a sociedade.

Cine Set – Vamos falar sobre cinema. O senhor conhece o Amazonas Film Festival? O que o senhor pensa sobre o evento?

Luiz Navarro – Acho interessante. Nós temos algumas películas regionais já com certa representatividade, certo? Temos o caso do ‘Rambo do Amazonas’, por exemplo, que é uma sátira do Rambo, e acho que é um exemplo de um filme interessante, criado por amazonenses. Acredito que deveríamos explorar mais outros campos. Isso já nos mostra que o terreno é fértil, e que existe a possibilidade de investir nessa área para que amanhã possamos colocar no mercado grandes cineastas, quem sabe.

Cine Set – Aproveitando que o senhor tocou no assunto de formação e mercado, durante anos tivemos a promessa da criação de uma faculdade de cinema na UEA. O que se teve, porém, foi a implantação de um curso de tecnólogo em audiovisual, que até correu risco de ser fechado. O senhor acha que é preciso investir nessa área de formação?

Luiz Navarro – Com certeza, com toda certeza. A ideia é boa, e acho que a formação desta faculdade deveria ser nos moldes de uma universidade popular, como o MUP [Movimento Por Uma Universidade Popular] defende. Uma coisa fechada não permite que valores se revelem. Através da universidade popular, acredito que teríamos a revelação de grandes valores. Por isso, no nosso governo, não teríamos a timidez de investir nessa área. Discutindo com os conselhos populares, aplicaríamos o necessário. O que se quer é exatamente que a população se integre às universidades. Afinal, os governos nascem a partir do povo, e é importante que ele participe dessas decisões orçamentárias.

Cine Set – Em relação ao interior do Estado, com exceção de Itacoatiara, os outros municípios não possuem salas de cinema. O que o senhor acha que seria possível fazer para mudar esse cenário?

Luiz Navarro – Tudo está na necessidade popular, e é por aí que deve começar a coisa. O governo não vai decidir nada sem que seja feito previamente um estudo da necessidade de cinemas nas cidades do interior. Claro que seria muito salutar instalar cinemas nesses lugares, com o próprio governo intervindo nesse segmento, em vez da iniciativa privada. Seria mais uma forma de lazer para a população. Agora, com o advento da televisão, é preciso saber se há mercado para essa área no interior, porque não adianta o governo investir em algo improdutivo sem o apoio da população. É preciso fazer um estudo a respeito disso. Acredito que em determinadas cidades, com um determinado número de habitantes, seja possível a instalação de cinemas financiados pelo governo, pensando em qual seria o retorno disso. Afinal de contas, não se pode malversar sobre o dinheiro público, e por isso um estudo se faz necessário. Poderíamos fazer isso nas cidades-pólo e até em cidades menores, já que é uma forma de cultura. Chego a pensar até que essas gestões de governantes não levam o cinema para o interior porque cinema é cultura, cinema é desenvolvimento, cinema é educação, e parece que não há interesse em educar a população convenientemente.

Cine Set – Saindo do interior e voltando para Manaus, temos aqui a história de vários cinemas de rua que foram fechados com o tempo. Em São Paulo, por exemplo, há iniciativas do governo do Estado em parceria com o setor privado para resgatar esses cinemas e até mesmo oferecer uma programação diferenciada ao público, com filmes que raramente chegam ao circuito comercial por aqui. O senhor acha que ações como essa seriam possíveis aqui?

Luiz Navarro – Como eu disse, tudo depende de um estudo. Se instalarmos um conselho de cultura, esse conselho vai examinar a possibilidade de resgatar o cinema de rua. Não sei exatamente porque terminaram esses cinemas, mas acredito que seja influência do monopólio dos shopping centers. Afinal, tudo que é popular, é eliminado, não é mesmo? Ao contrário do que pregamos para o nosso governo. Quem sabe não poderíamos resgatar esses cinemas? Isso certamente não prejudicaria o lucro dos cinemas de shopping, já que os cinemas populares teriam um diferencial. Por isso, não vejo inconveniente nenhum em resgatar os cinemas de rua.

Cine Set – Voltando para a cultura de maneira geral, aqui no Amazonas, a Secretaria de Estado de Cultura é comandada pelo secretário Robério Braga há mais de uma década. Qual a sua opinião em relação a isso? O que senhor acha da gestão dele? Pretenderia mantê-lo no cargo?

Luiz Navarro – O doutor Robério Braga deve ter se mantido no cargo pela sua competência, não sei. Mas nós, do Partido Comunista Brasileiro, somos renovadores. O sistema do doutor Robério Braga para desenvolver a cultura no Estado do Amazonas com certeza é incompatível com o sistema que será desenvolvido pelo nosso governo. Então, dificilmente ele se adequaria às nossas propostas. Eu diria até que podemos notar que o sistema de administração dele é elitista. A ópera é um bom exemplo disso. Tivemos recentemente, por exemplo, a apresentação da ópera de Romeu e Julieta, um velho e cansado tema europeu. Queremos desenvolver uma cultura popular, do nosso estado. Cultura que o nosso povo conheça e se identifique, e não um chavão europeu. Pode ser uma bela ópera, sem sombra de dúvida, mas nossa cultura local é sufocada pelo desenvolvimento dessa cultura europeia. É preciso que o Estado aplique o dinheiro na cultura do povo. Reafirmo também a presença necessária de um conselho de cultura, para que várias cabeças, e não só uma, pensem o desenvolvimento da cultura no Amazonas.