O Cine Set lança o novo site com uma série de entrevistas com os sete candidatos ao Governo do Amazonas. Propostas para o setor, a falta de cinema no interior do estado, o curso de audiovisual da UEA e a situação do atual secretário de cultura, Robério Braga, são temas discutidos nas conversas com os postulantes ao cargos.

Pela ordem alfabética, o candidato do PSB, Marcelo Ramos, é o sexto entrevistado pelo Cine Set. Formado em direito trabalhista pela Universidade Federal do Amazonas, ele disputa o cargo de governador do Amazonas pela primeira vez. Ramos foi eleito vereador por Manaus em 2007 e deputado estadual em 2011.

Qual a sua opinião sobre o Festival Amazonas Film Festival?

O festival é fundamental e deve ser mantido, mas precisa ser alterada a natureza dele. Ele deve privilegiar as iniciativas de cultura popular relacionadas ao audiovisual. Pode-se até manter um ou outro grande evento, mas deve-se estimular a produção cultural audiovisual do estado do Amazonas. Isso, infelizmente, nos últimos anos, tem ficado em último plano. Precisamos inverter a ordem: priorizar a produção cultural e popular no audiovisual e coroar o evento com iniciativas de repercussão nacional.

Então você vê o festival, mesmo como ele é agora, como essencial ao cinema amazonense?

Eu acredito que ele seja essencial, desde que venha acompanhado de uma ação permanente. O cinema amazonense não pode viver de um evento. O evento tem que ser o ápice de uma política cultural de incentivo à produção audiovisual. O festival, por si só, não resolve o nosso problema.

Outro ponto é o fato de que as atividades do festival se concentram muito no Centro, nas áreas comandadas pela Secretaria de Cultura (SEC). Sua ampliação é rudimentar em outras áreas? Você acredita que seria interessante uma integração com outras áreas?

Ele [o festival] é bem fruto da visão elitista que hoje contamina a Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas. Com erros e acertos, eu penso que o ciclo Robério Braga acabou. Nossa primeira medida é dar absoluta segurança ao movimento cultural do Amazonas de que ele deixará de ser secretário de Cultura em nosso governo e deixará justamente por essa visão míope, em nosso ponto de vista, de concentração das atividades culturais num espaço físico limitado na cidade. Quando eu falo em estimular a produção cultural audiovisual popular, eu falo justamente em descentralizar geograficamente o festival de cinema. Ele deve estar em todos os pontos da capital e, na medida do possível, alcançar, pelo menos, os maiores municípios do interior do Estado.

Falando do cinema no interior, atualmente só Itacoatiara possui um cinema. Você prevê algum tipo de ação nesse sentido de ampliação?

Se olharmos apenas Manaus, quantos bairros de Manaus não tem um cinema? Todos os cinemas da cidade estão concentrados dentro de shoppings, e nem todos podem entrar num shopping; não que seja proibido entrar num shopping, mas muitos não podem por razões econômicas, sociais. Nós precisamos aproximar a produção audiovisual do cidadão mais humilde. A nossa ideia é criar um programa de cinema popular que o leve até as pessoas, não necessariamente construindo um espaço físico, mas tendo a presença da produção audiovisual nos bairros periféricos e no interior do estado. Não seria irresponsável de dizer que vamos construir cinemas, mas nós vamos, de forma criativa, e a cultura tem tudo a ver com criatividade, fazer o cinema chegar na periferia de Manaus, que está tão segregada do cinema quanto os municípios do interior que não tem sala. Para um adolescente de 12, 13 anos, que mora no Rio Piorini, também não existe cinema em Manaus.

Fazendo uma ligação entre esse ponto e a questão do festival, de que maneira se poderia criar links entre o AFF e o interior, com pontos mais firmes?

Você precisa usar espaços alternativos. Há salões paroquiais de igrejas, quadras de escola, salas de escola que estejam desocupadas no final de semana, então nós podemos usar links com a comunidade para isso, e é o que nós faremos onde não houver um espaço adequado. Parintins já teve um cinema, deixou de ter, porque também não dá para ter sala de cinema público; talvez o ideal seja estimular e ter, pelo menos nos grandes municípios, com incentivos fiscais, a criação de salas de cinema privadas em municípios como Parintins, que já tem mais de 100 mil habitantes e que, portanto, tem estrutura financeira para ter um cinema. Agora também depende muito do que vai passar no cinema; não adianta você fazer um cinema com uma natureza meramente comercial e só mandar “enlatados”; é preciso uma política cultural vinculada à criação do espaço do cinema.

Já que você citou Parintins, há um projeto de revitalização do cinema desse município desde 2011. Há alguma previsão para fazer projetos como o de Parintins, para esse tipo de retomada?

Eu penso que precisamos estimular, para essas áreas, parcerias público-privadas. Identificar quais são os mercados, através de pesquisas, e o estado deve fazer isso, aí é o papel do estado, identificar quais são os municípios que têm viabilidade econômica para uma sala de cinema, e nesses municípios o governo do estado ofereceria incentivos fiscais para a instalação dessas salas. O estado do Amazonas tem uma política fiscal burra; ele prefere não cobrar nada a cobrar pouco. Ele prefere não ter cinema em Parintins a reduzir, por exemplo, o ICMS que o cinema de Parintins vai pagar, e isso é uma tolice primária. Nós vamos utilizar uma política de incentivo fiscal para permitir que a produção audiovisual chegue onde ela não existe.

Nós vemos em cidades como São Paulo, Recife e Fortaleza iniciativas em que se criam esses espaços, salas de cinema com dimensões menores que as das grandes redes, e que passam produções locais, filmes alternativos, e aqui em Manaus não há nada parecido. Você acredita então que essa questão de incentivos fiscais e parceria público-privada seria a saída para esse tipo de sala surgir em Manaus?

Eu penso que é uma das saídas. Outra saída é usar espaços alternativos para que o estado crie a identidade das pessoas, em especial da juventude, com essa produção audiovisual alternativa. Qual é o caminho para isso? É a escola. Cinema dentro da escola. As nossas escolas precisam ser salas de cinema, nos finais de semana, nos horários alternativos, com produção independente e estimulando a produção local. Não adianta você achar que vai ser comercialmente viável você criar uma sala de cinema hoje, em Manaus ou no interior, com produção de vídeos alternativos. Primeiro, nós precisamos criar uma identidade do consumidor cultural com essa produção alternativa, e isso, no nosso ponto de vista, deve ser feito por intermédio da escola.

Falando não exatamente de escola, mas da universidade, temos o curso de audiovisual da UEA. Durante anos, falou-se sobre a criação de um curso de cinema, e aí surgiu o curso de Tecnologia em Produção Audiovisual, que já passou por um período em que ameaçou ser cancelado. Você acredita que falta investimento nesse Nível Superior para a formação das pessoas que tem interesse em produzir?

Isso é uma rede. O problema é que o Amazonas tem mania de olhar as coisas de forma estanque. O festival como se ele fosse suficiente em si mesmo ou o curso de tecnólogo como se ele fosse suficiente em si mesmo. O curso de tecnólogo não dialoga com o festival, então nós precisamos criar uma rede. De nosso ponto de vista, essa rede parte de dentro da escola, criando o vínculo do jovem com a produção audiovisual local, da universidade, que precisa cumprir o papel de formação para produção e que precisa ter, vinculado ao curso de audiovisual, mais programas de extensão para que a universidade ensine um garoto a produzir um filme de um minuto no celular, para que faça oficinas nas periferias e municípios do interior, e o festival de cinema seria, vamos dizer assim, a grande mostra dessa produção. Então você passa o ano inteiro estimulando uma produção e fecha no festival com uma mostra, e não se faz o que é hoje. O festival de cinema se artificializa porque torna um grande evento, que tenta criar um apelo nacional que efetivamente não tem, e se esquece de criar o apelo regional, de identidade do povo com esse evento e com a produção audiovisual amazonense.

E você acredita que o curso de audiovisual seria uma área prioritária para se investir?

Eu acredito que é um curso importante para ser mantido e fortalecido. Até porque é importante entender que nós não estamos falando de cultura apenas do ponto de vista dessa produção para o cinema; estamos falando de formar gente para o mercado. A qualidade da nossa propaganda comercial no Amazonas é muito baixa, e o curso é um instrumento para qualificar isso também, o mercado de publicidade. O curso não é só para produzir cinema e precisa ter um viés mais amplo. Ele precisa formar gente para o cinema, para a produção cultural audiovisual e também formar gente para o mercado de publicidade.

Sobre cultura em geral, como o candidato vê a cultura na formação da sociedade e qual deve ser a participação do estado nesse setor?

Primeiro, um povo não se enxerga se não valoriza a sua produção cultural. Aquele livro do José Saramago, “Ensaio sobre a cegueira”, em que as pessoas passam de repente a não se observarem, é um pouco o que o povo do Amazonas vive. O povo do Amazonas tem pouca identidade cultural por conta dessa visão elitista da cultura, e um povo que não valoriza a cultura é um povo que não enxerga a si mesmo. Nós precisamos utilizar a cultura como instrumento de resgate da identidade do povo do Amazonas, da identidade social, da formação histórica e étnica do nosso povo. Para nós, a cultura é fundamental; ela precisa perder esse viés elitista e concentrador que hoje contamina a Secretaria de Cultura para se aproximar das populações periféricas e do interior, e também para beber na fonte do que é produzido por essas populações, porque tem muita cultura sendo produzida fora dessas estruturas de poder. Nós precisamos estimular isso, porque essa cultura produzida fora das estruturas de poder é muito mais um instrumento de inclusão social do que os grandes festivais.

Já ficou meio clara a sua posição sobre minha próxima pergunta, mas vou fechar com ela: o secretário Robério Braga está na SEC há mais de uma década. O que você pensa sobre a gestão dele? Pretende mantê-lo no cargo?

Primeiro, quero dizer que a partir de 1º de janeiro de 2015, em nosso governo, ele será o ex-secretário Robério Braga. Eu gosto do Robério, acho que é um homem culto, de valor, mas um homem que não é para o tempo atual da cultura do Amazonas por conta da sua visão concentradora e elitista. Nós criaremos uma Secretaria de Cultura identificada com a produção da cultura popular, que seja a expressão da identidade do nosso povo, estimulando os artistas locais, não aparelhando a política cultural, a escolha de apoio será escolha técnica, e não política, de quem gosta de mim e de quem não gosta, de quem gosta do secretário ou não gosta. Tem que acabar com essa história de excluir o artista porque ele não se dá bem com o secretário. O secretário não é dono da pasta; ele é instrumento da vontade do povo. O nosso governo será um governo de todos, dos que me apoiam e dos que não apoiam, dos que gostam de mim e dos que não gostam, e se vai ser assim de mim, imagine do secretário de cultura. Se o cara não gosta do secretário de cultura, o problema é dele e do secretário, mas ele será tratado com a mesma independência que qualquer outro.