Quando se pensa em Grace Kelly, é inevitável não vir à mente a imagem da mulher gélida e impassível dos filmes de Alfred Hitchcock. Tal imagem a acompanhou com a mudança repentina para Mônaco e o casamento que a transformou – literalmente – em princesa. De lá para a morte trágica, em 1982, o mundo viu a atriz de cinema virar uma filantropa sem a calidez de uma princesa Diana. A história de Kelly parece ter sido um conto de fadas. E é isso o que o diretor Olivier Dahan tenta pontuar a cada segundo do malsucedido “Grace de Mônaco”.

Equivocado desde o primeiro minuto, “Grace de Mônaco” tenta levar o espectador para dentro do palácio monegasco onde Kelly vive com o príncipe Rainier, os filhos e os 389274290783 criados. O filme começa em 1954, quando a então atriz abandona Hollywood, mas pula para 1961, ano em que Grace começa a ponderar um retorno à tela grande em uma nova parceria com Alfred Hitchcock. A volta ao cinema não se concretizaria, por pressões internas e questões políticas, já que o principado vivia sob crise e no auge da tensão no governo francês do general Charles De Gaulle.

Assim como fez com “Piaf – Um Hino ao Amor” (que só se salva pela atuação de Marion Cotillard e pelo trabalho de maquiagem), Dahan transforma a história de Grace Kelly em um melodrama açucarado demais até para uma novela mexicana ou uma radionovela dos anos 1950. Ou seja? Você pode esperar closes exagerados (mais sobre eles abaixo), uma trilha sonora que parece pedir para o espectador chorar e, como bônus, uma fotografia de dar dor de cabeça e que poucas vezes aproveita as lindas paisagens do sul da França.

Escolhido um dos melhores roteiros ‘a serem produzidos’ no ano de 2011, o filme transforma os dilemas de Grace em grandes birras. Não há aprofundamento na relação entre ela e Rainier. O roteiro se esforça em tentar transformar a personagem em uma grande princesa de contos de fada (que, como já disse, é uma expressão repetida ad nauseam na produção) e acaba esquecendo o potencial da história.

Dahan até tentar imprimir algum arrojo técnico, como as cenas que evocam “Ladrão de Casaca”, filme de Hitchcock que levou Grace ao sul da França pela primeira vez. A estrada onde a ex-atriz morreu, aliás, aparece no suspense também estrelado por Cary Grant. Aqui, é claro que ela volta a ser lembrada, desde o primeiro frame até uma cena forçadíssima onde a agora princesa dirige loucamente. As cenas de Hitchcock (Roger Ashton-Griffiths) são até interessantes no início, mas logo se esgotam devido à forma caricatural com que o ator vive o papel.

Nesse cenário desastroso, quem quase sai ilesa é Nicole Kidman, que tenta dar certa dignidade às falas pavorosas que precisa falar. Apesar de não ser tão parecida com Grace (Gwyneth Paltrow ou Rosamund Pike seriam mais indicadas para o papel), ela consegue captar o ar aristrocrático que tanto marcou a atriz, ao mesmo passo que confere à princesa uma vulnerabilidade, estragada pelo roteiro e pelas escolhas de Dahan, como os closes exagerados (sobretudo em uma cena onde Grace confessa ao padre de confiança os dilemas que vive – é de fazer inveja a qualquer produção da Televisa).

Exibido pela primeira vez no festival de Cannes de 2013 e engavetado após a fraca recepção, “Grace de Mônaco” só viu a luz neste ano, quando foi exibido no canal de TV Lifetime. E, sinceramente, não teve melhor casa para o filme*, que realmente parece um telefilme desse canal, que também exibiu o “clássico” “Liz and Dick”, onde Lindsay Lohan vive Elizabeth Taylor (!) e outros filmes desse naipe.

Logo, é estranho que esse filme tenha estreado no Brasil e em Manaus, ainda por cima. É um desperdício de sala de cinema, de talento (Frank Langella, Tim Roth e Parker Posey, que vergonha de vocês) e das lindas paisagens de Mônaco. Se for pra ver o Sul da França e Grace Kelly em vibe menos “Diário da Princesa”, é melhor rever a “Ladrão de Casaca”,

*Ah, essa que vos escreve assistiu ao filme no Netflix gringo, onde ele já está disponível.