De todos os monstros do cinema, o zumbi sempre foi o pária, o menos nobre. Não à toa, nunca recebeu tratamento de superprodução, diferente dos vampiros, dos alienígenas e até dos lobisomens. Quer dizer, até agora, pois Guerra Mundial Z mostra todo o apocalipse a que o público tem direito, graças ao dinheiro de um grande blockbuster, e ainda é estrelado por um dos maiores astros do cinema atual, Brad Pitt. Mas, pelo resultado, aparentemente mortos-vivos e grandiosidade não combinam muito bem.

No filme, Pitt interpreta Gerry Lane, um funcionário das Nações Unidas (embora a trama não deixe clara a exata natureza do seu trabalho) que vive em Nova York com a esposa, Karin (Mireille Enos) e suas duas filhas pequenas. Logo nos primeiros minutos, a família se vê diante do começo do fim do mundo, quando a população, infectada por uma estranha doença, começa a se transformar em zumbis e a atacar os vivos. Por ser um funcionário de alto escalão, Gerry e sua família conseguem ser evacuados da cidade, mas após deixar sua mulher e filhas em segurança, ele inicia uma corrida pelo globo à procura de uma forma de entender, e se possível, curar a epidemia. O filme é baseado no livro de Max Brooks “Guerra Mundial Z: Uma História Oral da Guerra dos Zumbis”, originalmente publicado em 2006 e escrito como uma coleção de narrativas a respeito da infestação dos mortos-vivos e como ela destruiu a civilização. Para conceber sua obra, o autor foi influenciado pelos diversos filmes do gênero apocalíptico, lançados ao longo dos anos.

Ao adaptar o livro para o cinema, os cineastas optaram por uma narrativa mais tradicional e se dispuseram a fazer o primeiro filme de zumbi realmente grandioso. E aí começaram os problemas. O roteiro, escrito por cinco profissionais – nunca um bom sinal, mesmo que entre os escritores haja nomes conhecidos como Damon Lindelof e J. Michael Straczynski – não apresenta nenhuma figura carismática ou personagem mais aprofundado. Gerry é um protagonista muito genérico e um desperdício dos talentos de Brad Pitt. As situações também já foram vistas em dezenas de outros filmes: a sequência inicial em Nova York lembra Guerra dos Mundos (2005). Eu Sou a Lenda (2007), Extermínio (2002) e Contágio (2011) também cederam alguns dos seus elementos de trama para os roteiristas de Guerra Mundial Z.

Tudo isso, no entanto, é até perdoável – afinal, a busca por uma completa originalidade hoje em dia é vã. O que não é perdoável é a opção dos cineastas, notadamente do diretor Marc Forster, de deixar o filme completamente “sem mordida”, visando um maior lucro. Explica-se: Guerra Mundial Z teve uma produção tumultuada e praticamente todo o terceiro ato da trama teve de ser refilmado. Isso, e mais a escala grandiosa do filme, fez o orçamento ir às alturas – oficialmente, o projeto custou cerca de 200 milhões de dólares. Por causa disso, Forster teve de maneirar na censura, para garantir que seu filme alcançasse o público mais amplo possível – nos Estados Unidos, a censura ficou nos 13 anos, algo tradicional para um blockbuster, mas que representa a sentença de morte para qualquer longa de zumbi de respeito.

O resultado é o filme de zumbi mais brando de todos os tempos. Chega a ser ridículo observar, numa cena, uma personagem ter a sua mão decepada e não se ver uma gota de sangue. As mordidas não sangram, os tiros dos soldados não têm impacto e os zumbis até parecem limpinhos e bem asseados. Isso é mortal para um projeto do gênero, pois tira a verossimilhança da história. Como podemos acreditar no horror daquela situação – e Gerry até tem pesadelos com bocas arreganhadas e mortos-vivos atacando – se o filme se nega a nos mostrar esse horror? Como resultado, o longa acaba sendo apenas uma grande correria, mas sem nenhum envolvimento. O espectador não teme por nenhum dos personagens, que já não são muito aprofundados, em momento algum. Todos falam sobre o fim do mundo, mas o espectador não o vê e não o sente.

Essa opção mercadológica pela censura branda chega a determinar a estética do filme. Para evitar mostrar o sangue, os cortes nas sequências de ação são rápidos, a ponto de torná-las incompreensíveis. Marc Forster, um diretor de pequenos filmes, bons e interessantes, como os dramas A Última Ceia (2001) e O Caçador de Pipas (2007), já havia demonstrado incompetência ao se aventurar pelo terreno dos blockbusters com o filme de James Bond que ele dirigiu, o problemático 007: Quantum of Solace (2008). Em Guerra Mundial Z ele repete a dose, com sequências confusas e frenéticas, mas mal montadas, desperdiçando as poucas boas imagens e situações criadas pelo roteiro, como a “pirâmide humana” escalando o muro de Israel ou a cena a bordo do avião.

Além disso, alguns momentos da trama demonstram que o diretor parece incerto do tom da sua narrativa. A cena em que um personagem se mata de forma acidental ao descer de um avião é bizarra a ponto de causar risos na plateia. A narrativa episódica, estruturada pelas viagens do protagonista, deixa o longa com cara de videogame, com cada país correspondendo a uma “fase”. O roteiro também tem sua parcela de clichês (Filho asmático! Herói que se sacrifica pela cura!) e de absurdos – Gerry sobrevive a um desastre aéreo pavoroso, e a simples menção da palavra “zumbi” num comunicado do exército desafia a credibilidade (Quem levaria a sério esse e-mail, que teria descrito o paciente-zero da epidemia? Compreensivelmente, ninguém). O roteiro feito por comitê e cheio de problemas, aliada às equivocadas opções do diretor, acabam transformando o filme num espetáculo vazio.

No fim das contas, neste gênero dinheiro nunca realmente importou. O bom filme de zumbi, para funcionar, precisa criar um clima de ameaça – e para isso, mostrar a violência é, sim, essencial – e dar ao publico personagens pelos quais se possa torcer. Não é obrigatório, mas se o cineasta ainda conseguir transformar a história com mortos-vivos numa metáfora sobre a nossa sociedade, como o mestre George Romero costumava fazer, tanto melhor. Guerra Mundial Z, no entanto, falha nos dois primeiros aspectos e nem tenta se aventurar pelo terceiro. Seria melhor, para o filme, ter tido menos dinheiro e um pouco mais de “alma”.