Neste fim de semana, começa (oficialmente, quero dizer) o evento mais esperado do ano por milhões de brasileiros – para dizer sobriamente, é Carnaval!!!!!!

Goste-se ou não da festa, a mais tradicional e importante do calendário nacional, o fato é que a pausa generalizada propiciada pelo evento pode ser uma oportunidade de ouro para os cinéfilos atualizarem o cardápio, com alguns bons filmes recentes, outros mais clássicos, e até obras sobre a própria festa. Confira agora, através deste guia, as melhores opções para aproveitar os intervalos da folia – ou, para os que não gostam de Carnaval, as melhores formas de evitá-lo.

Filmes sobre o Carnaval

Apesar de sua importância central na cultura brasileira, o Carnaval, assim como o futebol, tem uma presença escassa no cinema nacional. Alguns desses filmes, porém, estão entre os mais importantes e representativos do país no exterior, para desgosto de alguns – e fascínio da maioria.

você já foi à bahia? filmes carnaval

Começamos com uma das mais antigas. Você Já Foi à Bahia? (1944), dos estúdios Disney, pode ser considerado o debut do país na telona, pelo menos aos olhos dos não-nativos. A animação exuberante, quase psicodélica, foi responsável por criar um padrão de “Brasil” aos olhos do mundo, com sua fauna e flora de arco-íris, seus mulatos de camisa listrada e a música deliciosa de Ary Barroso, imagem essa que perdura até os dias atuais, como comprova a animação Rio (2011), de Carlos Saldanha.

Orfeu do Carnaval (1959), do francês Marcel Camus, incorpora a esse imaginário o Rio da Bossa Nova, tomando como base o musical de Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim, que narra a paixão trágica do passista Orfeu (Breno Mello) pela mulata Eurídice (Marpessa Dawn), recriando o mito grego na aspereza dos morros cariocas. Com uma direção primária, artificial, além de diálogos e atuações canhestras, o filme, na época, envergonhou os compositores, mas levou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, contribuindo para a mitologia do “Brasil do Carnaval”. Em 1997, a trama ganhou uma refilmagem de Cacá Diegues, que não melhora muito os padrões, mas ao menos rendeu uma bela canção inédita de Caetano Veloso, “Sou Você”.

dona flor e seus dois maridos sonia braga

Em plena ditadura, uma obra sensual ambientada no Carnaval baiano foi a responsável pela maior bilheteria do cinema nacional durante décadas: Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976). O filme de Bruno Barreto trouxe José Wilker, Mauro Mendonça e o furacão Sônia Braga num triângulo amoroso bem à brasileira, intenso e tropical, que não respeita nem a distância entre vivos e mortos. Trinta anos depois, o Carnaval baiano seria a inspiração direta para mais uma história movida a risos e desejo (não necessariamente nessa ordem): Ó Paí, Ó (2007), com Lázaro Ramos e um inspiradíssimo Wagner Moura.

Bem menos badalado, o recente Trinta (2014), biografia do grande carnavalesco, traz uma bela atuação de Matheus Nachtergaele, que infelizmente não redime o tom didático e desapaixonado da trama. Uma pena, já que Joãosinho Trinta, com suas criações exuberantes e provocadoras, foi um grande inovador do desfile carioca nas décadas de 1970 e 80, mudando a face daquela que hoje é a grande vitrine do Carnaval aos olhos do mundo.

Filmes recentes que vale a pena conhecer (ou rever)

Se você já está saboreando a festa e não quer ver ainda mais Carnaval nas telas, uma boa pedida pode ser conferir alguns dos filmes que não chegaram a Manaus em 2014.

Sem dúvida, a ausência mais sentida por aqui foi Ela, criação sui generis do diretor e roteirista Spike Jonze (do ótimo Quero Ser John Malkovich). O filme traz Joaquin Phoenix, brilhante como sempre, e uma surpreendente Scarlett Johansson, que entrega seu melhor trabalho sem aparecer em cena – ela dá voz a Samanha, um sistema operacional criado para oferecer companhia ao deprimido Theo (Phoenix). Longe de reciclar velhos clichês sobre a relação homem/máquina, Ela faz um estudo poético (e triste) sobre a fragilidade dos relacionamentos – qualquer relacionamento.

o lobo atrás da portaO Brasil também teve sua cota de grandes filmes – todos, claro, passando bem longe do sucesso de público. Um filme nacional que vale a pena (re)descobrir é O Lobo Atrás da Porta. Dirigida por Fernando Coimbra, a fita traz Leandra Leal, Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento, numa trama amarga sobre infidelidade. Com roteiro e atuações brilhantes, Lobo é uma afirmação contundente de que nem só de comédias medíocres vivem as telas nacionais. Ótima pedida para os intervalos do Carnaval, ou para fugir dele.

Nossos vizinhos do continente contribuíram com dois filmaços que você não deveria deixar de ver. Da Venezuela, tivemos o maravilhoso Pelo Malo, de Mariana Rondón, que alguns privilegiados puderam conferir em primeira mão no Amazonas Film Festival. Uma trama poderosa, unindo o individual e o coletivo na relação entre um filho (Samuel Zambrano) e sua mãe (Samantha Castillo) em meio a um país doente, onde o absurdo parece ser corriqueiro.

Já a Argentina trouxe o filme talvez mais controverso – e irresistível – do ano passado: Relatos Selvagens. Em seis histórias mesmerizantes, surreais (ou extremamente reais), o diretor Damián Szifron mostra como estamos sempre a um passo de explodir – e isso não é uma metáfora. Violento, franco, por vezes perverso, Relatos Selvagens foi uma das experiências mais memoráveis do cinema nos últimos tempos. Aproveite o feriado para pescar, o quanto antes, essa pérola do cinema portenho.

Maratona de clássicos no feriado

Já para quem quer mais é que o Carnaval se acabe, a pedida é fazer uma maratona de grandes filmes. Por sorte (e hoje é seu dia de sorte), algumas excelentes opções chegaram às lojas de Manaus nos últimos meses.

Nenhuma mais do que a caixa Steven Spielberg – Director’s Collection. Num pacote luxuoso (e caro – você não vai achar por menos de 460 reais), a coleção reúne alguns dos trabalhos mais brilhantes do diretor de Tubarão e Jurassic Park. Em formato blu-ray, com restauração minuciosa da imagem e do áudio, o box de nove discos é um paraíso para quem procura nos filmes um refúgio da folia.

laranja mecânica stanley kubrick

Já que a parada são grandes diretores, outro gênio do cinema também mereceu tratamento de luxo na era do blu-ray: Stanley Kubrick. Na caixa Um Diretor Visionário, os sete filmes da fase europeia do cineasta ganham versões de encher os olhos (e ouvidos), com direito ao documentário Imagens de uma Vida, mais um livro com fotos e um belo texto biográfico. Bem mais em conta (dá pra achar por menos de 200 reais), o box é a palavra definitiva sobre um dos artistas supremos do cinema. E tome Laranja Mecânica, 2001, Nascido para Matar

Encerrando o nosso passeio, um trabalho igualmente visionário, só que feito para a TV: Twin Peaks. A clássica série de David Lynch e Mark Frost, exibida originalmente entre 1990 e 91, lançou as premissas de todas as séries não-cômicas surgidas desde então: personagens cheios de segredos, uma  ambientação misteriosa, a revelação do inusitado (e do chocante) nos aspectos mais ordinários da vida. Centrada no mistério em torno da morte da estudante Laura Palmer, Peaks une o talento de Lynch para o excêntrico com um envolvente enredo policial. No ano passado, esta magnífica bizarrice reencarnou em edição definitiva, mais uma vez em blu-ray (e mais uma vez a um preço salgado: em torno de 450 reais), revelando em seus exatos matizes os segredos da cidadezinha mais fascinante que a telinha já viu (Sessão da Tarde, aqui vou eu).

Bom Carnaval!