Quando li a notícia na internet sobre a morte do escritor Umberto Eco, fiz uma daquelas viagens pelas reminiscências da minha memória para década de 90, precisamente no ano de 1993 quando assisti pela primeira vez, numa noite chuvosa de sexta-feira, na TV Bandeirantes, a adaptação do livro do autor, O Nome da Rosa (1986), dirigido pelo francês Jean-Jacques Annaud.

Para alguém que entrava na adolescência, o filme mostrava um lado da igreja católica sombrio, nada charmoso, onde o cristianismo funcionava como forma de poder e opressão. Essa visão assustadora de uma instituição até então vista como respeitável por um adolescente gerou uma grande curiosidade em ler o romance original. No ano seguinte, li o livro e constatei que é uma verdadeira aula sobre história e filosofia, além de um olhar crítico em relação à inquisição católica na idade média.

Eco era um erudito, um estudioso, amante da literatura e conhecedor profundo da história. Apesar da complexidade da obra, grande parte da sua essência foi transporta com fidedignidade por Annaud. O Nome da Rosa é um filme oitentista que, antes mesmo do livro O Código da Vinci, de Dan Brown, já mostrava um olhar místico e religioso em formato de romance policial investigativo frente aos segredos escusos da igreja.

Uma série de assassinatos ocorre em um monastério da Itália Medieval. O monge franciscano, Willian de Baskervile (Sean Connery, na época em ótimo momento na carreira) ex-inquisitor, chega ao mosteiro junto com o discípulo Adson Von Melk (Christian Slater em começo de carreira) para participar de um conclave, só que diante dos crimes resolve investigar.

Annaud faz uma viagem fascinante à Idade Média. Funciona como uma aula de história para entendermos o pensamento da época, a dicotomia entre a ciência renascentista versus o misticismo religioso. Explora as questões filosóficas abordando a racionalidade da ciência como caminho que leva à verdade desafiando a religião, o caminho oposto, cujas escolhas são marcadas pela irracionalidade e o sobrenatural.

Nesse ponto, o texto de Eco é apresentado de forma consistente pelo filme, principalmente no seu olhar crítico: o personagem de Connery é o representante do racional e da ciência, o sujeito da Era do Renascimento que utiliza o conhecimento e a postura humanista para desvendar o mistério, enquanto precisa enfrentar o controle da igreja medieval que evita a ciência para manter suas crenças e estimular o medo dos fiéis.

O roteiro de Andrew Birkin dá um toque de romance policial investigativo no melhor estilo de Arthur Conan Doyle. O Monge William Baskervile é a essência de Sherlock Holmes, principalmente na sua racionalidade, em como realiza as deduções frente às provas dos crimes. Nesse aspecto, o filme privilegia o mistério em torno dos assassinatos, o que difere do livro, cuja situação é apenas um elemento secundário para Eco tecer sua visão crítica.

Além das boas atuações de Connery e Slater (este último protagoniza uma caliente cena sexual), o elenco conta com veteranos como F. Murray Abraham, Michael Lonsdale, William Hickley e Ron Perlman. Destaque também para climática trilha sonora de James Horner e a fotografia do subestimado Tonnino Delli Colli, que reproduz a atmosfera sombria de um monastério da idade média.

O Nome da Rosa é uma adaptação respeitosa à obra de Umberto Eco. É claro que quem leu o livro vai notar que diversas referências à filosofia e a história ficaram na superficialidade, sob uma ótica mais descritiva dos argumentos do que propriamente aprofundando os debates do livro. No contexto geral, a adaptação cinematográfica cumpre com o objetivo principal, que é de manter a essência do material.  Aqueles que não o conhece ou os demais trabalhos do romancista, com certeza, depois de conferirem o filme, vão querer aprofundar seus conhecimentos na obra – situação que aconteceu comigo, conforme descrito no início desta critica, e posso assegurar a vocês que o mundo da Idade Média dele é genial.

Vale ressaltar que no cinema, tirando O Nome da Rosa, nenhum outro romance do escritor foi adaptado, muito em razão dos seus textos complexos que misturavam elementos exóticos. Em contrapartida, vendo o filme de Annaud fica nítido que vale a pena arriscar, já que o mundo de Eco é de uma riqueza fantástica de ideias.