O documentário é um gênero cinematográfico um pouco (mas só um pouco) menos ingrato com as diretoras mulheres. Pelo menos é o que indica uma pesquisa do Centro de Estudo de Mulheres em Televisão e Cinema, dos Estados Unidos. Nesse cenário majoritariamente independente que cercam os filmes de não-ficção, as mulheres são 29% dos diretores em atividade nesse último ano. Se comparado aos 18% das mulheres dirigindo filmes de ficção, e a apenas 7% de mulheres dirigindo filmes que chegam ao topo das bilheterias, é um espaço acolhedor.

E é nesse contexto que Jill Bauer e Ronna Gradus estão aos poucos fazendo carreira. Hoje com uma ajudinha da Netflix, que usou sua máquina publicitária a favor do filme “Hot Girls Wanted”, as diretoras exploram o mundo da sexualidade feminina a partir de seu exterior, lançando um olhar para o crescente mercado de vídeos pornôs amadores, nos quais jovens mulheres seguem promessas de altos e imediatos lucros.

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As diretoras acompanham moças de vários estados dos EUA, em sua maioria, recém-saídas do equivalente de lá ao Ensino Médio. Através de contatos pela rede social de anúncios Craigslist, elas fazem o acerto e seguem para Miami, cidade-sede de residências em que homens atuam como “recrutadores” de moças para vídeos de baixo custo de produção, mas alta rentabilidade.

Como parte do fetiche dos vídeos semiamadores, está o fato de as moças serem, de fato, girls next door. São figuras jovens e de corpos considerados belos, mas normais se comparados aos de atrizes pornôs dos anos 1990, que investiam em silicone e toda sorte de modificação corporal.

No entanto, ao passo que humaniza a figura dessas moças, o documentário adentra no lado sombrio da profissão. Nele vemos, numa edição ágil que remete de tempos em tempos à facilidade de interatividade no ambiente web, as garotas que deixam para trás suas famílias em busca do lucro fácil enfrentando dilemas pessoais, com dificuldades nos relacionamentos amorosos (quando conseguem manter um), levando uma vida desregrada na qual o dinheiro sai tão rápido quanto entra, correndo o alto risco de contaminação de doenças sexualmente transmissíveis e como a maioria abandona o mercado de vídeos após alguns meses por simplesmente não ganhar tanto dinheiro assim, mas não sem antes apelar para um submercado de vídeos amadores degradantes, em que a violência física e psicológica não raro passa a fazer parte do pacote de “fetiches” sexuais.

Não por acaso, a figura masculina em “Hot Girls Wanted” é quase uma sombra. Os atores pouco aparecem, e quando o fazem, não possuem o mesmo destaque das moças. A figura do agenciador é igualmente difusa, sendo a marca de sua relação com as garotas a volatilidade; ele sabe muito bem que a maioria ficará lá alguns meses, gastará o que ganhou com festas, roupas e baladas, e sairá desiludida para a próxima leva de jovens povoar a casa em que moram, todas em grupo, fazendo vezes de segunda família, mas com pouca ou nenhuma segurança afetiva ou em qualquer plano.

No subtexto de “Hot Girls Wanted” está a alma da cultura americana: o sentimento de que seus sonhos podem ser realizados com facilidade e a busca pelo prazer e liberdade absolutos, demarcados por ritos como o Spring Break e pela sexualidade exacerbada das estrelas pop. Sem apontar explicitamente culpados, vilões ou mocinhos, o documentário pincela ao longo de toda a sua duração como o contexto social alimenta a máquina de uma não muito profissional indústria de pornô amador, frisando não só como uma aparente liberação sexual é martelada pela mídia, mas também como as novas mídias como a internet permitiram novas formas de consumo e produção de material erótico, tudo isso de maneira bem simples e sem apelar para didatismos.

O abismo entre esse sentimento e a dura realidade de um país que, para o cidadão comum, ainda carrega reflexos da última crise econômica, é acentuado pelo também abismo entre as gerações de pais e filhos. Em “Hot Girls Wanted”, a incomunicabilidade entre familiares marca as relações, que se desgastam e geram mais conflitos que entendimento e culminam, inevitavelmente, para a escolha das jovens de adentrarem, muitas temporariamente, no mercado pornô.

“Hot Girls Wanted”, porém, comete alguns deslizes ao não fazer escolhas mais bem demarcadas de personagens. Enquanto algumas garotas recebem grande destaque, outras histórias ameaçam chamar a atenção de igual maneira do espectador, para em seguida serem deixadas de lado. Ele também falha em dar pelo menos um breve panorama de como o pornô amador possui pouca relação com a organização da grande indústria desse segmento, marcada por relações mais profissionais que garantem, por exemplo, exigências de proteção durante os filmes para os atores não se contaminarem com DST ou tendo um mínimo de direito trabalhista.

Apesar disso, “Hot Girls Wanted” é bem sucedido por ter conseguido, com o empurrão do Netflix, popularizar uma discussão não muito vista: a de como uma pretensa liberação sexual levou o ato sexual em si ao patamar de produto, e não necessariamente de autoconhecimento e satisfação pessoal. O filme dá pano pra manga para outros tantos questionamentos, tais como se o consumo de pornografia seria um hábito saudável ou se estaria deturpando a visão da sociedade sobre sexo e incentivando a falta de empatia com o outro durante o ato. Dessa forma, o filme se mostra interessante ao trazer uma série de outras discussões no seu rastro, além de mostrar a força de formas alternativas de produção e consumo dos filmes em geral ao chegar até nos num serviço de video on demand. Moralista para alguns e chocante para outros, o filme vale o clique.