Em 1955, o escritor americano Jack Finney escreveu um romance chamado de Invasores de Corpos que contribuiu em elevar a ficção científica para o patamar da literatura de horror, ao contar uma história de invasão alienígena das mais inusitadas: os alienígenas eram vegetais que viajavam pelo espaço em busca de planetas para se reproduzirem, substituindo os humanos por clones fisicamente perfeitos aos originais, só que ausentes de emoções. Olhando por este ângulo, o enredo de Finney parece bem ridículo a primeira vista, mas o autor mostrou-se ousado ao imprimir uma forte carga de tensão e medo no seu romance.

Vale ressaltar que até então as ficções científicas seguiam basicamente, a estrutura de Guerra dos Mundos de H.G.Wells, outro clássico do gênero, onde as invasões aconteciam em grandes cidades ou metrópoles, com naves espaciais modernas para época e seres hediondos. Finney rompeu estes clichês, levando o horror para as pequenas cidades americanas, numa tacada de mestre estratégica, afinal nada melhor que conquistar um planeta do que começar pelo lugar mais insuspeito que se possa imaginar, no caso uma pequena cidade nos confins do mundo, não é verdade?

Outro ponto interessante que o autor estabeleceu é que os alienígenas eram cópias perfeitas fisicamente de uma pessoa, o que a olho nu é complicado para qualquer um identificar ou determinar a diferença. Além disso, as pessoas eram substituídas quando dormiam, o que elevava a situação a um nível máximo de tensão, afinal dormir estava fora de questão – a frase não Durma (Don’t Sleep) ficou marcada no imaginário das adaptações cinematográficas que vieram a posteriori. Adicione ainda a receita, uma dose de crítica social que o escritor soube muito bem explorar em relação a paranoia americana frente ao surgimento do comunismo, onde a perda da subjetividade/individualidade funcionava como retrato de um zumbificação mental.

Não demorou que a intrigante história de Finney influenciasse não apenas outros romances, como também HQs e revistas de ficção científica, seriados de TV (Invasores lançado na década de 60 e a mini-série V – A Batalha Final que o SBT passava na década de 80) e animações – um dos episódios do especial de Halloween dos Simpsons é baseado no livro –  até que finalmente fosse adaptado para o cinema.

No total, foram quatro adaptações até o momento, cada uma  adaptada em um período diferente: a primeira na década de 50, a segunda cerca de 20 anos depois do original, mais precisamente no final da década de 70. Já a terceira foi realizada nos anos 90 e finalmente a última versão (até agora) foi produzida no início da década de 2000. Sem contar a versão teen levemente inspirada no livro de Finney, lançada em 98, Prova Final dirigida por Robert Rodriguez e escrita pelo roteirista Kevin Williamson, na época queridinho de Hollywood graças aos sucessos de Pânico e Eu Sei o Que Vocês fizeram no Verão Passado. 

Vale ressaltar que além do filme de Rodriguez, o romance de Finney influenciou diretamente e indiretamente outras obras como A Hospedeira, baseado no livro da autora de Crepúsculo, Stephenie Meyer, as comédias Vizinhos Imediatos do Terceiro Grau e Heróis da Ressaca, ambas funcionando como sátiras. Até o mestre George Romero assumiu que Invasores de Corpos serviu de inspiração para sua ideia do apocalipse zumbi em A Noite dos Mortos-Vivos. Logo, esta matéria focará nos quatro filmes que são assumidamente inspirados no livro. Boa diversão e cuidado ao dormir para não ser substituído por uma cópia fiel a sua pessoa.


Vampiros de Almas (1956), de Don Siegel

Eles Estão Aqui (Milles J.Bennell)

Don Siegel (1912-1991) até hoje é conhecido como um dos expoentes do cinema de faroeste, além da bela parceria com Clint Eastwood. Mas o respeito adquirido como diretor não foi através de filmes com atores famosos e sim pelos filmes B que realizou como Rebelião no Presídio e esta primeira adaptação do livro de Finney, dois trabalhos que marcaram sua fama de fazer obras de boa qualidade com orçamentos modestos.

Vampiros de Almas foi selecionado pelo Instituto Americano de Cinema como um dos 10 melhores filmes de ficção científica de todos os tempos. Alguns críticos o consideram como O Poderoso Chefão da Sci-fi, não apenas pela sua importância ao gênero, como a elevação deste a um contexto político até então jamais visto. Nele, o médico Miles Bennell (Kevin McCarthy), retorna para a pequena cidade de Santa Mira após um congresso científico. Ele se depara com um fenômeno estranho, onde algumas pessoas alegam que seus parentes não são mais os mesmos. Logo, vai descobrir que tudo é parte de uma invasão alienígena.

Não é o meu favorito das adaptações do livro de Jack Finney, mas é inegável que Siegel realizou um clássico absoluto da Sci-fi de horror da década de 50. Reproduz um cinema cheio de metáforas ideológicas que utiliza o medo da Guerra Fria para retratar a paranoia americana frente ao comunismo. Há muito de um subtexto político de caça as bruxas – na época, o Senador Joseph McCarthy determinou a perseguição aos comunistas –  dentro de uma ficção científica sobre invasão alienígena.

O diretor evita aprofundar certos contextos do livro (principalmente sobre a praga alienígena) preferindo investir na construção do suspense. É curioso perceber o quanto neste sentido, esta adaptação parte de uma trama simples em uma cidadezinha americana – como a grande maioria dos filmes B da época – e se transforma em um espiral crescente de paranoia e desconfiança. Há dois momentos memoráveis: o primeiro é quando os dois protagonistas são perseguidos pela população de Santa Mira e a outra quando o médico interpretado por Kevin McCarthy corre entre os carros gritando “Eles estão aqui”, uma clara alusão política sobre a presença dos comunistas em solo americano. São momentos como estes que transformam Vampiros de Almas de um filme B simples para um verdadeiro cânone do gênero graças ao seu olhar político.


Invasores de Corpos (1978), de Philip Kaufman

É o meu favorito das adaptações e é um dos raros casos que a refilmagem pode ser tão boa (ou melhor) que o original, ainda que não tenha o peso político do filme de Siegel. Em contrapartida é uma obra mais densa, assustadora e climática que a produção de 50.  A Dra. Elizabeth Driscoll (Brooke Adams) suspeita que algo está errado com seu marido. Acreditando que ele foi substituído por outra pessoa, ela alerta o amigo Matthew Bennell (Donald Sutherland), que trabalha junto com ela no Departamento de Saúde, que por não acreditar na moça a leva para conversar com um amigo psiquiatra, o Dr. David Kibner (Leonard “Spock” Nimoy). A eles juntam-se o casal Jack e Nancy Bellicec (Jeff Goldblum e Veronica Cartwright) para desvendar os estranhos comportamentos que rondam a cidade de São Francisco.

Kaufman se apropria com autoridade da paranoia do texto de Finney e a transforma em uma vertente conspiratória de crescente tensão. Na verdade, de todas as adaptações é a mais fiel a obra do livro, desenvolvendo melhor o caráter da invasão alienígena sem perder o foco no suspense e na atmosfera opressora. O tom conspiratório proposto pelo roteiro cai como uma luva ao levar a trama principal para a grande São Francisco, local que no final da década de 70 foi responsável pelas transformações sexuais e culturais da sociedade americana.

Esta metáfora encaixa perfeitamente para o conflito (e perda) do individualismo do livro de Finney, a qual é orquestrado por Kaufman nas sutilezas de cada cena – desde o início, o filme passa uma sensação de desconforto – que pode ser percebida sempre naquilo que está fora do foco da câmera, sempre ao fundo do plano principal. Neste quesito, o cineasta oferece um estilo diferenciado ao trabalho, com ângulos e imagens em posições inusitadas e estranhas.

A isso, junta-se a sufocante (e esquizofrênica) trilha sonora e o forte elenco encabeçado por Sutherland e Nimoy. Para completar, o terceiro ato é marcado por momentos assustadores – a cena do quintal é um bom exemplo disso – capaz de deixar qualquer um inquieto. O final pessimista, diferente do final acomodado do original, mostra que esta refilmagem é um belo estudo atmosférico de como fazer grandes Sci-fi B de horror. Foi o primeiro grande trabalho de Kaufman na direção, sendo que logo em seguida ajudaria George Lucas a escrever o roteiro de Os Caçadores da Arca Perdida. O cineasta prestaria uma bela homenagem à obra original com a participação especial de Don Siegel como um taxista e o ator Kevin McCarthy repetindo sua celebre frase de Vampiros de Alma.


Invasores de Corpos – A Invasão Continua (1993), de Abel Ferrara

Uma das adaptações que não gostava (foi a primeira que assisti), mas a revisão recente mudou algumas concepções em relação a obra, mesmo sendo a mais fraca quando comparada com as duas outras versões. O próprio diretor, Abel Ferrara enfrentou diversas interferências no trabalho por parte dos produtores, sendo que este foi o único filme que realizou para um grande Estúdio.

O químico Steven Malone (Terry Kinney), é transferido junto com a família para uma base militar para examinar uma contaminação do ambiente. Sua filha adolescente, Marti Malone (Gabrielle Anwar) tem dificuldades de relacionamento com sua madrasta Carol (Meg Foster) e o filho dela, o pequeno Andy, com seu pai. De uma hora para outra, o garoto alega que a mãe morreu e foi substituida por outra pessoa, logo Marti vai perceber que algo de estranho acontece na base.

Na década de 90, Ferrara vivia uma fase experimental no seu cinema, depois de logos anos de trabalhos voltados aos policiais urbanos. Isso explica a sensação de estranheza e esquisitice que marca esta adaptação. O clima de claustrofobia criado pelo diretor é a principal qualidade do trabalho, fazendo uma interessante analogia entre a invasão alienígena e a esfera militar, desconstruindo o processo de humanização em um meio onde as regras e normas já são um bom passo para isso.

Neste ponto, a versão de Ferrara é bem crítica ao sistema militar, dialogando com Dia dos Mortos (1985) de Romero. As obsessões do cineasta dentro da sua filmografia em relação a invasão física ganha bons contornos no texto de Finney. Dentro das adaptações, é a única que apresenta novidades em comparação ao livro, utilizando o drama familiar no lugar do contexto político. Outro destaque é o ótimo uso de cinemascope nas extremidades de cada plano, o que aumenta a sensação de opressão do filme em virtude do espetáculo de como o diretor usa as sombras e formas.

O roteiro assinado pelo eterno colaborador de Stuart Gordon, Dennis Paoli é responsável pelo tom estranho e excêntrico que o filme oferece, quase apocalíptico. O único porém é o ritmo oscilante (um ato final convencional ao extremo) e o fraco elenco – principalmente os atores jovens – quando comparado as duas outras adaptações. Apesar dos diversos problemas da produção – é evidente que as cenas mais densas ficaram na sala de edição para atender a demanda dos produtores –  o resultado final é até eficiente e que parece uma adaptação “Kafkaniana”. O pior ainda estava por vim.


Invasores (2007), de Oliver Hirschbiegel

Quem pensou que um orçamento pomposo e um elenco de astros (Nicole Kidman e Daniel Craig) seria sinônimo de sucesso, errou feio. Invasores é marcado desde início por uma produção problemática, com atrasos nas filmagens, orçamento inflado, um diretor demitido durante o filme e cenas sendo refilmadas por outro.

Nicole Kidman é Carol Bennell, mulher divorciada, mãe de um garoto e que trabalha como psiquiatra. Ela começa a desconfiar que as coisas estão ficando estranhas quando uma de suas pacientes diz que o seu marido não é o mesmo. Aos poucos, ela percebe comportamentos estranhos entre os outros moradores da sua cidade e juntamente com o amigo Ben (Craig) resolve fugir da cidade.

Não acho esta adaptação no contexto geral tão ruim como muitos proclamam, mesmo que fique nítido que é um trabalho abaixo da média. Até há um bom suspense na sua parte inicial e algumas sequências de ação interessantes. Mas isto não impede o enredo do livro de ser muito mal desenvolvido, seja no delineamento da trama e dos personagens – o de Craig é de uma nulidade total.

Para completar, grande parte das ideias boas do romance, são deixados de lado para dar espaço a uma trama de ação ineficaz. O ato final é bem ruim, o que deixa claro que a briga entre o diretor Hirschibiegel com os produtores (nada menos que os irmãos Wachowski, diretores de Matrix) afetou consideravelmente o resultado final do filme, cabendo James McTeigue, diretor de V – de Vingança dirigir cenas adicionais para finalizar o resultado. Sem dúvida, o mais fraco das adaptações do livro de Finney e um desperdício das boas alegorias que o texto do autor poderia proporcionar.