Janis Lyn Joplin (1943-1970) precisou de apenas quatro anos para fazer tudo. Por tudo, leia-se mudar a cara da música americana, ao se firmar como a cantora mais icônica do rock, e uma das vozes mais especiais, sob qualquer critério, que aquele país produziu. Por força apenas do canto rascante e da personalidade rebelde – Janis não era politizada como Joan Baez e Joni Mitchell, quase não compunha o próprio material, como Carole King e Laura Nyro, nem era classuda como Diana Ross e Dionne Warwick, suas contemporâneas –, a moça conseguiu incendiar os palcos na segunda metade dos anos 1960, e consumir-se nas próprias chamas junto com outras lendas daquele período, como Jimi Hendrix, Jim Morrison e Sly Stone.

Joplin era um dínamo – bebia horrores, fartava-se em drogas e sexo, cantava o blues mais sincero e angustiante desde Bessie Smith, sua inspiradora –, e essa imagem de excesso e romantismo acabaria por marcá-la no imaginário pop: toda cantora rebelde e “autêntica” desde então tem (ou quer ter) um pouco de Janis, e as canções da roqueira são trilha obrigatória para filmes que buscam um clima romântico “sério”, não-meloso, ou então querem evocar o som e a fúria dos anos 1960. Pensando nisso, o Cine SET elege hoje cinco músicas de Janis Joplin que têm presença recorrente no cinema, ou então renderam cenas antológicas.

5. “A Woman Left Lonely” (do álbum Pearl, 1971)

Num raro filme nacional a utilizar a música de Joplin, A Mulher Invisível (2009), de Cláudio Torres, emprega a arrepiante “A Woman Left Lonely” como moldura para o sofrimento de Vitória (Maria Manoella), uma moça solitária, infeliz no casamento, e que se apaixona pelo vizinho Pedro (Selton Mello) de tanto escutar sua vida através das paredes. Por mais que o filme seja bobinho, a combinação do trabalho sensível de Maria Manoella com a música de Janis criou um momento inesperadamente tocante na ligeira e esquecível comédia brasileira.

  1. “Piece of My Heart” (do álbum Cheap Thrills, 1968)

Essa pérola blueseira, da época em que a cantora fazia parte da banda Big Brother and the Holding Company, é um dos destaques da trilha sonora de Romance e Cigarros (2005), o musical adulto e literato de John Turturro. Cantado aqui por Susan Sarandon, numa interpretação antológica, o rock birrento do original vira o lamento cínico e raivoso de uma mulher traída, e eleva o filme, que já era intrigante e cheio de boas sacadas, a um outro patamar.

  1. “I Need a Man to Love” (do álbum Cheap Thrills, 1968)

Mais um diamante bruto do Big Brother (o grupo, não o programa), “I Need a Man to Love” é uma das armas de sedução de Eva Green em Os Sonhadores (2003), de Bernardo Bertolucci – não que ela precise de qualquer outra, após abrir aqueles olhos e mover aquela boca. Pondo a canção no toca-discos, ela deixa o hipnotizado Michael Pitt ainda mais besta – e nós caímos com ele, afogados na combinação de duas mulheres formidáveis.

  1. “Me and Bobby McGee” (do álbum Pearl, 1971)

Um clássico gravado por dezenas de cantoras (incluindo Marisa Monte), mas, no cinema, “Me and Bobby McGee” tem de ser lembrada como a trilha do final de Berlin Alexanderplatz, a épica produção do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder – exibida originalmente na televisão, mas mais conhecida ao redor do mundo em sessões de cinemas de arte e cineclubes. Harmonizando o delírio do protagonista Franz Biberkopf (Günter Lamprecht), “Bobby McGee” ganha uma luz fantasmagórica, surreal, bem diferente da placidez do sucesso das rádios de rock clássico a que estamos acostumados.

  1. “Ball and Chain” (do álbum Cheap Thrills, 1968)

A primeira da lista só poderia ser o momento mais importante de Janis Joplin no cinema: a sua apresentação incandescente no festival Monterey Pop, capturada no documentário Monterey Pop (1968), de D. A. Pennebaker. Àquela altura um talento de fama apenas regional, Janis – como Jimi Hendrix, também revelado no evento – sairia gigante após o boca-a-boca em torno da apresentação, sacramentado com o lançamento do filme, em 1968. Com uma performance frenética, intensa, que estúdio nenhum seria capaz de reproduzir, a cantora mesmeriza a plateia e a equipe de filmagem, a tal ponto que mal se veem seus colegas de Big Brother no filme – o que diz muito sobre a relação de Joplin com a banda dali por diante. Por registrar e deixar imortalizado para o mundo o momento em que Janis Joplin tornou-se Janis Joplin, Monterey Pop – e a poderosa performance de “Ball and Chain” – merecem o primeiro lugar de hoje.