O passar do tempo fez com que os anos 90 ganhassem o mesmo filtro cor-de-rosa que se abateu sobre os anos 80 antes. No cinema, a nostalgia tem o curioso efeito de dar nova vida aos filmes de temática adolescente; nada mais natural quando os adolescentes da época resgatada alcançam um patamar na vida que lhes permite olhar para trás com saudade e tranquilidade.

Assim como ocorreu com a obra oitentista do cineasta John Hughes, filmes como “As Patricinhas de Beverly Hills” e “10 Coisas Que Eu Odeio em Você” encontram vigor com as novas gerações como clássicos cult. No meio do caminho, há Jovens Bruxas.

O filme de 1996 provocou uma ruptura nos filmes teen da década, colocando a ação na mão de quatro garotas unidas pelo seu interesse em bruxaria. Homens ficam à margem da história, ainda que sirvam como importantes mecanismos narrativos, e o que sobra é um conto sombrio sobre o despertar sexual e sobre a superação dos traumas físicos e psíquicos da adolescência. Eu sei, eu sei, nada Sessão da Tarde, certo?

Parte dessa abordagem vem da decisão dos realizadores de ambientar o longa no universo da magia, mas não torná-la o centro das preocupações do projeto. De um modo geral, Jovens Bruxas se coloca como um relato de dor adolescente, com cada uma das meninas tendo seu próprio arco narrativo.

Sarah (Robin Tunney), a protagonista, precisa aprender a lidar com sua magia natural, a mudança para Los Angeles e o longo luto pela mãe morta; Rochelle (Rachel True), com o racismo que enfrenta na escola; Bonnie (Neve Campbell), com a vergonha que sente do corpo coberto por queimaduras; e Nancy (Fairuza Balk), com o fato de ser uma pária em qualquer lugar que vá, pobre e produto de um lar falido.

O teor feminista da obra se desdobra no envolvimento das meninas em sua sororidade e na tomada direta de decisões para o controle e mudança de suas vidas. Porém, mais importante do que isso, ele não se escusa de mostrar que mulheres podem sim fazer escolhas completamente erradas e egoístas e que brincar com um poder que não é seu carrega em si toda a possibilidade de, na falta de melhor expressão, dar ruim.

Dessa forma, os realizadores impedem que a figura simbólica de poder feminino usada no filme (bruxas) se torne mais um caso de “feminismo de mulher branca” ou de “bruxaria new age”, ainda que o desenvolvimento do roteiro tenha lá suas falhas. A decisão de fazer, por exemplo, o quarteto se desfazer para virar um embate de três contra uma reforça a crendice de que garotas simplesmente se viram umas contra as outras.

Além disso, a insistência em tornar Chris (Skeet Ulrich), um valentão da escola, um ponto de contenda entre Sarah e Nancy, deixa um tom desconfortável de “briga por macho” em um terceiro ato que poderia partir de decisões mais centradas em mulheres. A própria questão racial tem problemas, com a personagem Rochelle tendo o arco mais básico e não tendo, por exemplo, sua convivência familiar mostrada na tela.

Essas observações, no entanto, não tiram do filme seu poder. Nos anos 1990, a discussão sobre empoderamento feminino na cultura pop estava a anos-luz do que vemos hoje. Em filmes voltados para adolescentes, nem se fala: para mérito comparativo, os já mencionados “As Patricinhas de Beverly Hills” e “10 Coisas Que Eu Odeio em Você” colocam o relacionamento com um homem no centro da narrativa de suas protagonistas. Apesar de vistos como “descolados” e possuidores de seus méritos, ambos são releituras de materiais de obras antigas (um romance de Jane Austen e uma peça de William Shakespeare, respectivamente) que reproduzem, de certa forma, o papel da mulher de seus tempos – algo que “Jovens Bruxas” dribla.

Além disso, o filme guarda um palpável senso de divertimento. Sim, ele fala sobre angústia, doenças venéreas, estupro e suicídio, e sim, o texto até agora não deu nenhuma dica de que Jovens Bruxas seja uma produção leve, mas a verdade é que ele tem um coração adolescente e seu equilíbrio com o lado menos penoso da juventude impede que vire um dramalhão.

Muito disso vem do apelo visual que tornou o quarteto principal as meninas que toda diferentona queria ser ou ter como melhores amigas. O figurino das garotas recriou o estilo gótico para toda uma nova geração e sua representação na tela dizia algo que, hoje, é entoado em hinos pop e reproduzido em séries de TV: “Tudo bem se você for diferente”.

Se a trilha sonora puramente funcional deixa a desejar (ela é composta largamente de versões de músicas famosas feitas por bandas de quinta categoria), o cuidado com o qual as cenas de bruxaria foram feitas (um dos coroteiristas era realmente interessado no assunto e havia consultores no set), assim como os efeitos visuais surpreendentes para a época e para o orçamento do filme (o confronto final, cheio de animais peçonhentos, é marcante), garantem sequências memoráveis que, hoje, viraram gifs populares para a geração Tumblr.

Com o passar dos anos, é a acessibilidade de “Jovens Bruxas” que garante sua longevidade. O foco do filme nos problemas das garotas dá força à proposta principal do longa: “O que aconteceria se você tivesse poderes mágicos no ensino médio?”. O poder do feminino e o poder do diferente ressoam com um século XXI que busca cada vez mais representatividade de segmentos e, claro, com adolescentes, esses seres que já fazem estrago mesmo sem magia.