Antes de começarmos, uma nota pessoal: acho interessantíssimo essa promoção ainda que involuntária que o Netflix faz de documentários. À exceção de algum hit eventual, como “A Marcha dos Pinguins” ou “Fahrenheit 11/9”, o gênero continua longe do grande público, mas o serviço de streaming, ao oferecê-los diretamente aos seus usuários, em um design que, inclusive, não os distingue dos filmes de ficção, abre uma porta e tanto para que sejam assistidos, mesmo que inadvertidamente: não duvido nada que várias pessoas tenham começado a assistir um documentário por lá sem saber que se tratava de um.

Para além da distribuição, a produção de não-ficção do Netflix também ganha muitos pontos. Entre outros, seu currículo conta com “The Square”, documentário sobre a revolução no Cairo que chegou a ser indicado ao Oscar em 2014. Seu mais novo projeto do tipo, “Keith Richards: Under the Influence”, no entanto, não tem tanta ambição: o longa-quase-média-metragem (ele dura singelos 81 minutos) acompanha o lendário guitarrista do Rolling Stones durante a gravação de seu novo disco solo e em viagens pelos Estados Unidos cheias de memórias.

A questão da duração gera a pergunta: o que poderia ser satisfatoriamente dito sobre Keith Richards em tão pouco tempo? É menos que um show típico dos Stones, para mérito comparativo. A resposta, de certa forma, vem até no título: “Under the Influence” (“Sob a Influência” em português) remete claramente ao passado do guitarrista com drogas, mas também abre margem para se discutir a questão de influências musicais, tema sobre o qual o filme se debruça. Nele, Keith professa seu amor pelas diversas facetas da música estadunidense, como blues e country (claras para qualquer um que tenha ouvido os Stones), e caribenha, como o reggae.

Musicalmente onívoro, o músico até ri da quantidade de coisas que o inspirou. Na boa, ele passa boa parte do filme rindo e é vendido como o arquétipo do “vovô legal e fofo”, o que torna o projeto afável mas um tanto quanto problemático. Dos altos e baixos da vida de Keith, o único baixo que vemos é o que ele toca de vez em quando. Para exemplificar, apenas duas brigas, uma com Mick Jagger e outra com o antológico guitarrista Chuck Berry, são mencionadas. Drogas? Só álcool e tabaco aparecem (à exceção de uma única menção à maconha). E para não dizer que estou dando uma de abutre e querendo só ver a parte podre da história, mesmo a obra dos Stones é pouco mencionada. Keith está compreensivelmente cheio de falar das musicas clássicas da banda, mesmo porque o filme é uma empreitada solo, mas a sensação incômoda de que há muita coisa interessante fora de cena permanece.

A despeito da extrema educação com tudo e todos (algo não exatamente recomendável em documentários), o filme é agradável e reflete seu foco em exibições domésticas, mas seu público-alvo é indefinido. Por um lado, ainda que pareça feito sob medida para os fãs, a verdade é que muito provavelmente nada mostrado no longa será novidade para eles. Por outro, para não iniciados, o filme falha em dar um retrato satisfatório da vida do guitarrista, deixando muitas lacunas.

No final das contas, a duração vira um ponto a favor: com esta abordagem, os realizadores jamais poderiam conceber uma obra do calibre de “Living in the Material World”, laureado documentário de quatro horas que Martin Scorsese fez sobre George Harrison em 2011. No entanto, ele entretém fãs e público geral e pode fazer uma excelente sessão dupla com “Shine a Light”, misto de documentário e filme de show dos Stones feito em 2008 que também está no Netflix. Quem dirigiu esse? Martin Scorsese também. Mas eu não estou implicando nada não ;).