O que você faria se a pessoa que ama fosse embora sem dar notícias? Ou se, de repente, a maior separação entre vocês fosse o fôlego de vida? O cinema sempre procura respostas a essas indagações e, na maioria das vezes, elas vêm de maneiras diferentes, mas sempre repensam o sofrimento experimentado durante o período de afastamento.

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Lembranças

Sempre que a palavra “lembrança(s)” aparece no título de algum filme, logo recordo de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Poucos filmes conseguiram trabalhar tão bem as memórias e o amor em tempos de modernidade líquida quanto à obra de Michael Gondry e Charlie Kaufman que ressalta com maestria os relacionamentos traçados na contemporaneidade. Para Bauman, sociólogo conhecido internacionalmente por abordar o período, as relações se configuram desta forma por o homem estar, no momento, atravessando o inverno sobre uma fina camada de gelo: se estacionar, ela quebra e o engole, mas, são nesses pequenos momentos em que o gelo parte, que o homem se revela em sua totalidade e essência.

E por falar nos atributos que a modernidade líquida trouxe, a evolução tecnológica ganhou espaço em sua construção e a este fator, também, podemos incluir o poder comunicacional. Nunca antes, a comunicação esteve em campos tão próximos do ser humano. Se comunicar sempre foi essencial, desde o desenvolvimento da linguagem, hoje se tornou emergencial e um membro do corpo humano ainda mais por estar disponível a um click.

Você deve estar se perguntando, por que falar de pós-modernidade?

Comecemos pelo título dado em português. No original, La Corrispondenza, combina bem mais com o roteiro exibido em cena.  O filme mostra o professor universitário, Ed Phoerum (Jeremy Irons) que vive uma história de amor com Amy Ryan (Olga Kurylenko), uma estudante de astrofísica, e aqui entra a primeira fragilidade do filme. Embora, Ryan se apresente como uma acadêmica, seus estudos se mostram inexistente no decorrer do filme, só oferecendo ao espectador percepção de sua existência pouco antes do final da película. Ryan, além de acadêmica, trabalha como dublê de filmes de ação.

Devido à distância literal existente entre Phoerum e Ryan e suas “inúmeras atividades”, a comunicação entre os dois se dá por Skype, SMS e, por vezes, telefonemas. O contato entre ambos é constante, mesmo que a distância física também seja. Desta forma, pode-se contemplar, em tela, a proximidade causada pela revolução tecnológica. O casal conversa por SMS como se estivessem sentados um ao lado do outro, para o relacionamento isto pode até parecer positivo, ainda mais em tempos de liquidez, mas, assim como na vida real, o uso desenfreado das redes sociais acabam por criar uma realidade paralela afastada do convívio do mundo real.

Talvez o amor eterno esteja justamente acoplado a isto: sobreviver em tempos de liquidez usando os artifícios que são provenientes por conta da contemporaneidade.

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Kubler-Ross

Ryan aparenta ser uma mulher de fibra, mas dependente do contato constante do professor. A ausência dele faz com que toda sua vida desande. Entretanto, temos a oportunidade de acompanhar o ciclo de Kubler-Ross se desenrolar na história. É certo que, para a superação do luto, a trama se tece lentamente. A mudança na cenografia nos permite acompanhar a trajetória da dublê em seu ciclo de luto e auxilia a entender o relacionamento do casal.

Há algumas cenas dentro do filme que não conseguem dialogar com a construção da película, embora deem a entender o porquê da personagem ser um dublê: as cenas que evidenciam isso são vazias, não carregam a carga emocional que o drama pede. Em verdade, embora os cinco estágios de luto estejam bem delineados e as cenas de ação sejam importantes para fazer a separação de cada um deles, Kurylenko não corresponde a dramaticidade que se exige, a melancolia da personagem não contagia e, em certos momentos, chega a não funcionar em cena, soando a busca da personagem aquém do esperado.

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Ausência de um amor eterno

Gostaria de dizer que a história de “Lembranças de um Amor Eterno” é original, mas só consigo traçar os mesmos paralelos já vistos em “P.S Eu te amo”. De certo que uma das características da pós-modernidade seja o pastiche, há uma diferença entre ele, a cópia e o clichê que já se espera de uma obra do gênero. Sendo que destes dois últimos, o filme não consegue escapar.

Se no drama de LaGravenese, estrelado por Gerard Butler tudo acontece no ambiente do restaurante e a busca da auto descoberta, aqui todo o desenrolar ocorre por meio da física. Mas a astrofísica não está presente apenas para dar o tom do filme, mas nos diálogos. Você precisa estar preparado para assisti-lo como um filme romântico, longe de ter a ciência realmente como um prato do qual se alimenta.

Outro fator que “Lembranças de um Amor Eterno” também não consegue captar de “P.S Eu te Amo” é a química de Swank-Butler-Connick Jr. Pode ser a distância impregnada durante todo o filme, mas a atração de Irons e Kurylenko é pouquíssima e chega a não funcionar. O diálogo que abre o filme é um dos poucos momentos em que o casal dá certo, abrindo brechas para indagações sobre o amor eterno. Por isso, volto a afirmar: “A Correspondência” seria um título bem mais a ver com a estrutura do filme.

“Lembranças de um Amor Eterno” não carrega lembranças, nem tampouco um amor que possa ser considerado eterno, até mesmo para um filme dramático a carga emocional é tão rasa quanto o histórico escolar de Amy Ryan, talvez ela precisasse entender que somos apenas estrelas tentando brilhar na escuridão.