“O exorcista” (1973), de William Friedkin, é considerado por muitos o ápice dos filmes do gênero terror. Lembrando desse filme, não me vem à mente de imediato o vômito verde da pequena possuída pelo demônio, seu corpo levitando ou como ela se masturbou com a cruz. O que realmente me choca até hoje é como a possessão, macabra, feia e impura, foi equilibrada com a discussão acerca da perda da fé, personificada na figura do Padre Karas (Jason Miller). Esse é o cerne do medo: não ter um deus para o socorro na hora de agonia, acreditar que há apenas o nada após a morte e que ninguém vai nos proteger do diabo ou do que quer que seja. Não é o vômito e nem a maquiagem pesada. É a ausência de deus e, por conseguinte, de segurança.

O que quero dizer com isso é que, no final das contas, o gênero terror lida com nossos medos mais íntimos, e não apenas com imagens de monstros e fantasmas padronizadas na cultura e construídas com cada vez mais apuro técnico graças aos efeitos especiais. Logo, o terror pressupõe um trabalho de roteiro e direção que, tal qual a comédia, exige esforços adicionais para sair do terreno do medíocre. No terror, estão em jogo o fator surpresa, a capacidade de realmente tocar no fundo da psique humana e o despertar de um sentimento de insegurança que perdure para além do tempo de duração da fita. Lidar com tudo isso num filme está longe de ser uma tarefa fácil.

E por que falar de “O exorcista”, se o assunto é “Livrai-nos do mal”? Primeiro, este último pode ser considerado uma cria do filme de Friedkin, uma vez que lida com eventos similares, no caso, a possessão demoníaca. Segundo, porque “O exorcista” deu, décadas atrás, uma lição que “Livrai-nos do mal” parece ignorar, e só por isso este já merece um puxão de orelha.

No filme de Scott Derickson (“O exorcismo de Emily Rose”), Sarchie (Eric Bana, de “Hulk”) e Butler (Joel McHale, da série “Community”) são dois policiais que começam a investigar diversos casos violentos que, a princípio, não parecem ter lá muita relação uns com os outros. O que não tinha nada a ver passa a “ter a ver” quando o policial encontra o padre Mendoza (Edgar Ramirez, de “Fúria de Titãs 2”), que explica como os crimes se relacionam a ações demoníacas. Dessa maneira, a esposa de um ex-soldado do Iraque que vimos no início do filme e a mulher que tentou jogar seu filho aos leões num zoológico contaram com a mão do “Tinhoso” nos estranhos acontecimentos.

Novamente sugando da fonte de “O exorcista”, temos o conflito de fé de Sarchie, em contraponto à figura do padre Mendonza, além da presença do demônio em si. Porém, ao contrário do clássico de Friedkin, no filme de Derickson a discussão sobre fé (e sua ausência) resulta rasa e caricata. Em nada auxilia a, digamos assim, atuação em modo de piloto automático de Eric Bana, assim como a figura estereotipada do padre. Dessa maneira simplista, Sarchie é atordoado pelo caso em si e por ter se afastado da fé cristã, Mendoza era um viciado em heroína que saiu dessa vida quando passou a acreditar em Deus e o agnosticismo não é uma alternativa para nenhum personagem que queira sair vivo até o final da fita (vide o ápice com a confissão de Sarchie).

É frustrante perceber como o roteiro do “Scott Derickson, escritor” até tentou apresentar algumas novidades, mas foi engolido pelo talento limitado do “Scott Derickson, diretor”. Temos elementos com certa originalidade, como o fato de o diabo se manifestar de maneiras sutis para as pessoas que vitima, assim como as várias referências à músicas do The Doors que servem de pista para a ligação entre os casos com o sobrenatural, além da presença sempre bem-vinda de Sean Harris (“Prometheus”, “The Borgias”) como o bizarro Santino.

Porém, quando vemos vários outros recursos tão repetitivos em cena, os sustos eventualmente se transformam em bocejos. A trilha sonora instrumental óbvia que aumenta o volume nas alturas nos momentos de tensão, as luzes que nunca funcionam nos locais “sinistros” como o porão em que Sarchie e Butler encontram o corpo de Gribbs ou as “bonecas assombradas” da filha de Sarchie… Quantas vezes mais vão reprisar esses mesmos elementos nos filmes de terror? E se for para reprisar, custa muito dar algum toque diferenciado? O quesito preguiça parece se acentuar ainda mais quando o roteiro é baseado em fatos reais, como se isso bastasse para tornar o filme, um produto midiático que é construído e apresentado num contexto puramente de entretenimento, assustador.

Independente das crenças pessoais de cada espectador, o fato é que, como filme, “Livrai-nos do mal” não traz nada de muito interessante que já não tenhamos visto. O demônio está presente, mas isso nunca tira o chão do espectador porque aparece de modo muito “seguro”, muito convencional. Melhor seria ficar em casa, alugar o até bacaninha “O exorcismo de Emily Rose” ou exemplares um pouco mais apurados como “Invocação do mal” e economizar o dinheiro do ingresso para algum outro filme que por ventura estréie por essas bandas.

Nota: 4,0