Muitos filmes são descritos como “pinturas em movimento”, seja por um uso destacado de cor por um cuidadoso trabalho de câmera. No caso de “Loving Vincent”, longa de Dorota Kobiela e Hugh Welchman exibido no Festival de Cinema de Londres deste ano, não é força de expressão: cada um de seus 65 mil frames são de fato pinturas a óleo – a primeira animação a ser feita assim na história – criadas por um time de 115 artistas no estilo do pintor holandês Vincent van Gogh.

Apesar de morto durante boa parte do tempo de projeção, o artista é o foco da produção, premiada no Festival de Animação de Annecy, na França, onde teve sua premiere, bem como no Festival Internacional de Cinema de Xangai. À la Cidadão Kane, o filme segue Armand Roulin (Douglas Booth) numa jornada que se torna uma investigação sobre a morte do pintor. O que a princípio só era uma viagem para realizar um pedido de seu pai se torna uma questão pessoal quando o jovem chega a Arles, vilarejo francês onde van Gogh morreu, e descobre que cada um na cidade tem uma versão para o ocorrido.

A trama não difere muito de outros filmes de detetive, com o personagem de Booth quase agindo como um arquétipo de filme noir: um investigador beberrão que busca uma resposta em meio a uma cidade em que ninguém é confiável, com direito a uma femme fatale (Saiorse Ronan), uma megera temerária (Helen McCrory) e importantes figuras escusas (Jerome Flynn).

Com isto, o grande chamariz do filme se torna mesmo o visual. Abrindo com uma linda sequência inspirada pelo célebre quadro “Noite Estrelada” (que, sozinha, demorou mais de 18 meses para ser animada), o filme é um primor de animação, fazendo pleno uso das perspectivas forçadas das pinturas de van Gogh para criar imagens impactantes.

Além disso, o cuidado na pesquisa fica claro quando o estilo de pintura muda conforme a ação no longa. Sequências de tensão são feitas com pinceladas bruscas, lembrando a fase mais psicologicamente instável de van Gogh, enquanto as cenas mais tranquilas são feitas com cores quase oníricas.

De brinde, o filme ainda nos entrega interessantes versões pintadas de caras conhecidas, como os já citados Flynn, McCrory e Ronan, que aparecem aqui como o Dr. Gachet, sua governanta e sua filha, bem como Chris O’Dowd, que encarna aqui Joseph Roulin, pai de Armand. Todas as contrapartes reais dessas personagens foram retratadas por van Gogh, mas a produção se encarregou de deixá-las com as feições dos atores que dublam a versão original.

Em resumo, “Loving Vincent”, a despeito de sua narrativa simples, funciona como uma grande homenagem a um gênio da pintura, um filme noir descompromissado, e uma animação de caráter ímpar. Como numa pintura, o foco e a emoção que se destaca está na mente de quem vê.