Se a única certeza que temos na vida é a morte, podemos dizer também que o acaso ou quaisquer que sejam as forças que regem o universo fazem, eventualmente, com que ela pareça uma filha da mãe de marca maior para os cinéfilos. No dia 30 de julho de 2007, por exemplo, os diretores Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni partiram desse mundo. Deixaram para trás não apenas duas filmografias das mais importantes para a história do cinema, mas também um sentimento de “que diabos acabou de acontecer?!”.

2014 foi outro desses períodos sobre os quais cinéfilos falarão por muito tempo como sendo sinistro no quesito despedidas. Em fevereiro deste ano prestes a acabar, o primeiro baque: o diretor brasileiro Eduardo Coutinho falece sob tristes circunstâncias, morto pelo próprio filho, portador de transtornos mentais. No mesmo dia, o ator Philip Seymour Hoffman morre vítima de uma overdose. Ele, que permanecera longe do vício em drogas por mais de uma década, teve uma recaída fatal. Num mesmo dia, foi-se o diretor de documentários magistrais como “Cabra marcado pra morrer” (1984) e “Edifício Master” (2002), junto com um dos melhores atores norte-americanos dessa geração, a alma de filmes como “O Mestre” (2012) e “Capote” (2005). Uma semana depois, em 10 de fevereiro, falecia a atriz Shirley Temple. A norte-americana foi a estrela infantil original de Hollywood, trazendo inocência e alegria durante a Grande Depressão com filmes como “Heidi” (1937) e “A princesinha” (1939).

Passado o susto de fevereiro, mal sabiam os fãs de cinema que teriam luto para o ano inteiro. Março de 2014 começou com a morte do francês Alan Resnais, diretor responsável pelos clássicos “Noite e Neblina” (1955), “Hiroshima Meu Amor” (1959) e “O Ano Passado em Marienbad” (1961). Antes de partir, Resnais ainda brindou o público com o belo “Amar, beber e cantar” (2014). O mês ainda nem havia chegado na metade quando a notícia do falecimento da diretora tcheca Vera Chytilová é divulgada. Para quem não lembra, Chytilová é o nome por trás de um dos filmes experimentais mais interessantes da história do cinema, “As pequenas margaridas” (1966).

No Brasil, outra perda impactante marca 2014: a morte de Jose Wilker em 5 de abril. “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), “Bye Bye Brasil” (1979) e “For All” (1997) são apenas alguns dos grandes títulos que contaram com a presença de Wilker, considerado por muitos um dos melhores atores do cinema e televisão brasileiros. Um dia depois, o norte-americano Mickey Rooney, o qual lembramos comumente pelo papel cômico do vizinho de Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo” (1961), também falece, encerrando uma carreira que foi considerada pelo Livro Guiness dos Recordes como a mais longa no palco e nas telas de cinema. Ao fim do mês, o ator Bob Hoskins, de “Uma Cilada Para Roger Rabbit” (1988), “Hook: A Volta do Capitão Gancho” (1991) e “Nixon” (1995) também deu adeus aos cinéfilos.

Agosto teve um sabor de desgosto adicional com a morte dos atores Robin Williams, e Lauren Bacall. A primeira, no dia 11, foi a mais chocante, uma vez que Williams perdeu a luta contra a depressão e tirou a própria vida. A morte do astro de “Uma babá quase perfeita” (1993), “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) e “Jumanji” (1995) causou comoção no mundo inteiro e chamou a atenção sobre a doença. Um dia depois, em 12 de agosto, a diva Lauren Bacall deixa órfãos os fãs de filmes como “Uma Aventura na Martinica” (1944), “À Beira do Abismo” (1946), “O Espelho tem Duas Faces” (1996) e “Dogville” (2003).

A cobertura dos red carpets ficou mais chata depois de setembro, com a morte da comediante e apresentadora de TV Joan Rivers no dia 4. Exatamente um mês depois, em 4 de outubro, o Brasil sofre mais uma perda com o falecimento de Hugo Carvana, que será lembrado por sua contribuição no cinema como ator e diretor em filmes como  “Terra em Transe” (1967), “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1968), “Toda Nudez Será Castigada” (1973) e “Vai Trabalhar, Vagabundo” (1973). Já em novembro, a grande figura que nos deixou foi Mike Nichols, o versátil diretor de “A Primeira Noite de um Homem” (1967), “The Birdcage – A Gaiola das Loucas” (1996) e “Closer: Perto Demais” (2004).

2014 assustou os fãs de cinema até o último instante. No último dia 18 de dezembro, a atriz Virna Lisi, uma das lendas do cinema italiano, faleceu aos 78 anos. Considerada a Marilyn Monroe da Itália, ela deixou para trás grandes filmes como “…E Napoli canta!” (1953), “Rômulo & Remo” (1961) e “Rainha Margot” (1994). Já neste dia 30, a norte-americana Luise Rainer faleceu com nada menos que 105 anos! Rainer entrou para a história do cinema por ter sido a primeira atriz a ganhar dois Oscar consecutivos, em “Terra dos Deuses” (1936) e “Ziegfeld – O Criador de Estrelas” (1937), além de ser a primeira a ganhar dois Oscars antes dos 30 anos e a primeira a ganhar o prêmio por interpretar um personagem real (com “Ziegfeld…”).

A um dia do final do ano, fica o sentimento de que os filmes deixam conosco por muito mais tempo todos esses grandes artistas que 2014 levou, alguns sob circunstâncias tão sombrias. Ao mesmo tempo, ficamos apreensivos para que ninguém mais parta até virarmos a folhinha do calendário, e que 2015 seja mais benevolente para os cinéfilos.