2016 deverá ficar conhecido como o ano das polêmicas, das brigas, das divisões políticas (coxinhas vs. petralhas, Brexit), do Trump, e das mortes de celebridades. Muitas se foram este ano, e muitas delas ligadas ao assunto principal do Cine Set, o cinema. Várias pessoas que nos deram momentos de alegria e entretenimento, nas telas e por trás das câmeras, se foram em 2016.

Mas para abordar esse assunto neste artigo, a princípio fiquei pensando: Será que a quantidade de mortes foi realmente assim tão maior quanto anos anteriores? Ou somos nós, as pessoas da minha geração, que estão sentindo essas mortes de forma mais intensa e triste e dando a elas mais visibilidade?

Afinal, quando falamos de nomes do cinema que se foram, existem aqueles que mexem com todo o mundo, e aqueles dos quais só cinéfilos dedicados e o público que acompanha a indústria parecem perceber. Dentre estes últimos, vamos relembrar…

21jul2014---hector-babenco-1405991639804_1024x768

Em 2016 perdemos:

  • Tony Burton (treinador do Apollo Creed e depois do Rocky Balboa na franquia Rocky);
  • David Margulies (character actor veterano mais lembrado como o prefeito de Nova York em Os Caça-Fantasmas);
  • David Huddleston (character actor veterano mais lembrado como o Grande Lebowski da comédia homônima dos irmãos Coen);
  • George Kennedy (parceiro de Leslie Nielsen em Corra que a Polícia Vem Aí e vencedor do Oscar por Rebeldia Indomável);
  • Noel Neill (a primeira Lois Lane das telas),
  • George Gaynes (o Comandante Lassard dos filmes Loucademia de Polícia);
  • Andrzej Wajda (mestre do cinema polonês diretor de filmes como “O Maestro” e “Katyn”);
  • Abe Vigoda (o Tessio de O Poderoso Chefão);
  • Curtis Hanson (diretor de sucessos como “Los Angeles – Cidade Proibida” e “A Mão Que Balança o Berço”);
  • Ettore Scola (diretor italiano de clássicos como “Feios, Sujos e Malvados” e “O Terraço”);
  • Zsa Zsa Gabor (estrela do cinema americano em filmes como “A Marca da Maldade” e “Lili”);
  • Kenny Baker (ator anão que deu vida ao dróide R2-D2 na saga Star Wars);
  • Patty Duke (atriz vencedora do Oscar pelo clássico O Milagre de Anne Sullivan);
  • Guy Hamilton (diretor de vários filmes da franquia 007);
  • Robert Vaughn (o último astro de Sete Homens e um Destino que ainda restava);
  • Raoul Coutard (diretor de fotografia dos clássicos da Nouvelle Vague);
  • Michael Cimino (diretor de O Franco Atirador e O Portal do Paraíso);
  • Garry Shandling (comediante da TV e cinema),
  • Angus Scrimm (ator cult da franquia de terror Fantasma);
  • José Carlos Avellar (crítico de cinema brasileiro);
  • Guilherme Karam (ator brasileiro);
  • Elke Maravilha (atriz brasileira);
  • Hector Babenco (diretor de Pixote e O Beijo da Mulher Aranha);
  • Garry Marshall (diretor de Uma Linda Mulher e muitas outras comédias românticas), entre outros.

Nem todo mundo reconhece esses nomes, e suspeito que as suas mortes devem tocar principalmente o pessoal das antigas, que cresceram com alguns dos rostos e filmes mencionados aí. Como eu. E todos esses mencionados acima já estavam velhinhos: a morte não é estranha para pessoas de 70, 80 ou 90 anos.

Mas há perdas com características especiais.

David Bowie como Alladin SaneAlguns nomes transcendem o problema das gerações:

Todas essas trouxeram muita tristeza aos cinéfilos e espectadores de todo o mundo. A sessão In Memoriam do Oscar 2017 vai ser longa. Também será muito difícil segurar algumas lágrimas.

Ao refletir sobre essa questão, me veio uma conclusão à mente. É assim mesmo: as pessoas sentem perdas de modo diferente. Sentimos a morte de uma forma egoísta: só lamentamos o fim daqueles mais próximos a nós e aqueles cuja arte mais nos tocou. E sentimos egoisticamente porque não veremos mais obras de arte feitas por esses artistas. Nunca mais ouviremos outro disco do David Bowie. Anton Yelchin não vai continuar a sua interessante e promissora carreira, e no próximo filme Star Trek notaremos sua falta na nave Enterprise. E Carrie Fisher não vai aparecer no Episódio IX, a não ser que seja recriada via computação gráfica, mas só de pensar nisso já fico com urticária. É isso aí, pessoal. Acabou pra eles. Fim.

Acredito que o que causa mais tristeza nas pessoas da minha geração – os da casa do fim dos 30, começo dos 40 – é o fato de os nossos ídolos estarem indo embora, sem ninguém para ocupar o lugar. É um pensamento triste, mas de novo egoísta e incorreto: existem sim novos candidatos a ídolos, gente produtora de arte que merece ser descoberta e, acima de tudo, valorizada por seus próprios atributos. Nada de comparações idiotas. Não vai haver outro Bowie, mas pode surgir outro cara tão criativo e interessante quanto, produzindo a sua própria arte e inspirado pelo camaleão do rock. Por que não? E quem garante que você, lendo este texto, não poderá um dia ser visto como ídolo para muitas pessoas?

Leonard CohenBem… Este ano a morte no entretenimento que mais me afetou foi a do músico e poeta Leonard Cohen. Sem brincadeira, eu chorei como se tivesse perdido um parente próximo e fiquei realmente mal por uns dias. É estranho isso, você sentir profundamente a morte de alguém que você nunca conheceu de verdade. Dele, eu só conheci a arte, assim como de todos os mencionados aqui. Mas é a arte que, paradoxalmente, transcende o egoísmo que a princípio sentimos quando essas pessoas se vão. Porque, de repente, descobrimos muitas e muitas pessoas que também gostavam da arte daquele seu ídolo, e por causa dela, nos aproximamos. As pessoas se vão, mas a arte fica, e graças a ela podemos nos sentir um pouco menos sozinhos, um pouco menos egoístas.

Então, se a arte é o único jeito de transcender a morte, vamos lá produzir e admirar a arte. E que tenhamos um 2017 com mais arte em nossas vidas.