Maeve Jinkings passou da formação em Publicidade ao teatro, mas foi no cinema pernambucano que ela se tornou uma das estrelas da sétima arte tupiniquim. “Boi Neon“, “Amor, plástico e barulho”, “Era uma vez eu, Verônica”, “Falsa Loura” e, claro, “O som ao redor” figuram entre os melhores filmes nacionais da última década, e todos contam com ela no elenco.

Seu mais novo trabalho em “Aquarius” é considerado por muitos uma simbólica “passagem de bastão” de Sônia Braga, musa-mor do nosso cinema, a Maeve. Em entrevista exclusiva ao Cine Set, a atriz nascida em Brasília e criada no Pará fala sobre o filme, que estreou essa semana no circuito nacional (assim as polêmicas que o envolvem hoje) e o papel da mulher no cinema.

Cine Set – Em “Aquarius”, você interpreta Ana Paula, filha da protagonista Clara (Sonia Braga). Como é essa sua personagem? Como foi retomar a parceria com o Kleber Mendonça Filho após “O Som ao Redor”?

Maeve Jinkings – Ana Paula é uma personagem complexa, como Kleber sabe escrever bem. Ela se preocupa com a mãe, é uma relação de amor. Mas por outro lado, não amadureceu pra enxergar a mãe como um indivíduo completo, ainda insiste em ter a mãe servindo às suas demandas. Trabalhar com Kleber novamente só reforçou minha admiração por ele e sua visão de mundo. A diferença maior foi que em “O Som ao Redor” ele amava a Bia, minha personagem, enquanto que em Aquarius, tive que descobrir a humanidade de Ana Paula, personagem com quem Kleber a princípio implicava… (risos)

Cine Set – Você constantemente fala sobre a representação da mulher e sua busca por personagens complexas no cinema e, mais recentemente, na televisão. Que parâmetros guiam você nessas escolhas?

Maeve Jinkings – É subjetivo, intuitivo e varia de projeto pra projeto. Mas passa muito por me perguntar até que ponto há interesse na subjetividade dessa personagem, na perspectiva dela sobre o mundo e não apenas o que o mundo espera que ela seja. Para isso é preciso analisar a curva dramática dela na narrativa. Em que lugar a história a está colocando? Por quê? Concordo com isso? E o principal: ela tem desejo próprio?

Cannes

Cine Set – “Aquarius” se encontra agora no meio de uma polêmica que se iniciou com a decisão da equipe de realizar uma crítica ao atual governo brasileiro em Cannes. Como você encara as reações no país ao ato?

Maeve Jinkings – Tivemos muito apoio e muitas críticas. Sinto que as pessoas não entendem muito o sentido de democracia, que significa basicamente contrapor ideias de maneira clara e discuti-las honestamente para poder avançar. Mas, observando as agressões que sofremos, não surpreende que existam reações tão autoritárias quando acontece no país um processo tão cínico como esse pseudo processo de impeachment. Sem crime de responsabilidade comprovado, só resta a imposição de um projeto de governo ilegítimo e atrasado.

Cine Set – O Ministério da Justiça determinou que “Aquarius” tivesse classificação indicativa para maiores de 18 anos. A justificativa dada é que o filme apresenta “situação sexual complexa”. Isso a surpreendeu ou era algo esperado? Acredita que prejudicará o alcance do público de forma expressiva?

Maeve Jinkings – A censura restringe o acesso ao filme, sim. Na França, “Aquarius” teve censura de 12 anos, na Holanda é censura livre. Poderia me deter em falar de como “Boi Neon”, outro filme no qual atuo, traz cenas de sexo mais ousadas. Mas, honestamente, acho uma deformação enxergar essas cenas de sexo como proibitivas para adolescentes maiores de 16 anos. É míope e hipócrita não admitir que esses mesmos adolescentes vêem coisas muito mais complexas na Internet e na TV. Inclusive o grau de violência ao qual essa mesma censura permite que as pessoas sejam expostas. Tiros, morte e tortura, pode ver? Pois a mim sempre agrediu muito mais a violência de programas vespertinos sensacionalistas do que duas pessoas fazendo o que todos sabemos que nossos pais fizeram pra que estivéssemos aqui. Objetificar mulheres na publicidade, por exemplo, é muito mais nocivo para a formação das pessoas. Acho honestamente que esse tipo de cena deveria ser aproveitada para falar sobre sexualidade, tornando as pessoas mais saudáveis e preparadas pra lidar com a complexidade da vida. Obsceno é ver um deputado de discurso conservador assistindo vídeo pornô durante as votações da Câmara, como aconteceu recentemente no nosso triste Congresso.

[Após a entrevista, o diretor Kleber Mendonça Filho divulgou que a classificação indicativa de “Aquarius” foi revisada, baixando a restrição para menores de 16 anos, e não mais 18 anos]

Cine Set – Que mulheres você admira no cinema brasileiro atual, não só atrizes, mas diretoras, produtoras etc.? Que trabalhos feitos por mulheres hoje no Brasil considera essenciais?

Maeve Jinkings – Honestamente, admiro as mulheres que estão hoje lutando e resistindo pra fazer cinema em pé de igualdade com os homens, questionando as posições de poder e vícios da indústria dentro e fora das telas. Admiro profundamente as mulheres negras que estão lutando por mais equilíbrio de representação racial, que é um problema ainda maior na indústria.