Entre as centenas de modalidades esportivas, o tênis tem um fascínio particular. Muito disso ocorre pelo fato de ser um esporte individual onde os atletas precisam, sozinhos, enfrentar os seus próprios demônios e até seus limites para triunfar em jogos que podem durar duas, três, cinco, onze horas. Sim, um jogo de tênis já durou onze horas. É interessante ver o comportamento humano e os diferentes tipos de reações, e isso é perceptível nas grandes rivalidades: a disparidade entre os emotivos Rafael Nadal e Serena Williams e os mais contidos Roger Federer e Venus Williams sempre fascinaram as arquibancadas e a imprensa mundo afora.

São nos momentos difíceis que as características desses atletas ficam ainda mais evidenciadas. Logo, não é de se surpreender que o processo de volta às quadras de uma das tenistas mais famosas do mundo tenha interessado as diretoras Lisa Lax e Nancy Stern Winters (curiosidade: elas são gêmeas idênticas). Com apenas 55 minutos de duração, “Maria Sharapova: O Ponto” tem a missão de mostrar a atleta russa tentando retomar a carreira após um exame positivo de antidoping, no início de 2016.

Se o objetivo do filme é desmistificar a figura gélida que a mídia sempre vendeu de Sharapova, ele é mais ou menos bem sucedido. Isso porque há a sensação de que Maria controla a narrativa do documentário. Por mais que ele insista na história (contada de trás pra frente por qualquer fã mais ávido de tênis) da jovem que foi morar nos Estados Unidos com uma mão na frente e outra atrás e como isso a moldou, o mais instigante é ver os momentos espontâneos, que são pouquíssimos.

Sim, a atleta surge vulnerável, em imagens filmadas em seu próprio celular, mas ainda não dá para entender exatamente quem ela é. É interessante, no entanto, ver o contraste com os momentos onde ela conta, em seu inglês já quase sem nenhum sotaque, por que aquele esporte ainda é tão importante para ela, em uma idade onde muitos tenistas já começam a pendurar suas raquetes.

Lisa e Nancy deixam Maria contar sua história. Quase não há a interferência de outros depoimentos. Sua família e seus técnicos pouco (ou nada) aparecem falando, por mais que ela não canse de enfatizar a importância dessas pessoas em seu retorno às quadras.

O maior pecado do documentário – e a prova máxima de que ele é propaganda da atleta – é a falta de contextualização. Maria foi pega no antidoping em um momento onde muitos de seus compatriotas começaram a ser expostos também por esse tipo de trapaça. A intenção é clara: distanciar o que os russos fizeram (e que a gente pode ver com mais detalhe no documentário ‘Icarus’, vencedor do Oscar) do acidente de percurso da tenista. A todo momento, ela enfatiza que falhou em não ver que o medicamento que tomava há uma década havia se tornado proibido.

Ao mesmo tempo, não deixa de ser admirável a capacidade que Sharapova tem de se reerguer. Claro que para ela o tapete vermelho é estendido com mais facilidade (se isso tivesse ocorrido com Serena Williams, a suspensão teria sido de apenas 15 meses?, não dá para deixar de questionar) e dá para perceber que ela vive em uma bolha, sem muita noção dos privilégios que tem. O documentário termina de forma agridoce, sem ir muito a fundo, mas com missão cumprida se o objetivo de verdade for mostrar uma atleta que se recusa a desistir.

*Serena, aliás, é foco do ótimo documentário “Serena: O Outro Lado da Grandeza”, que mostra toda a sua trajetória no ano de 2015, quando conquistou três dos quatro grand slams e adicionou mais alguns recordes à sua coleção.