O ritmo novelesco ainda é um inimigo do nosso cinema. Quantas obras promissoras não vemos serem desperdiçadas em meio a muletas características das produções televisivas? Entre títulos como ‘Olga’ (2004) e ‘Reza a Lenda’ (2016), a lista é imensa. Porém, muitos realizadores ainda conseguem fugir dessa ‘tentação’ e realizam um trabalho 100% autoral. É o caso de Marcos Jorge, pernambucano que já havia chamado a atenção com o ótimo ‘Estômago’ (2007) e que agora entrega o visceral ‘Mundo Cão’ (2016).

No filme, Jorge coloca em cena dois dos maiores talentos na atualidade, Babu Santana (provavelmente mais conhecido por você como o Tim Maia do filme homônimo) e Lázaro Ramos, que dispensa apresentações. Babu, que fez ‘Estômago’, é Santana (coincidências à parte), um funcionário do Centro de Controle de Zoonoses que recolhe cachorros de rua que, caso não sejam encontrados pelos donos, serão sacrificados. É aí que ele cruza o caminho de Nenê (Lázaro), um ex-policial corrupto. Quando seu rottweiler é sacrificado, o ex-policial resolve tirar satisfações com Santana.

A dinâmica entre Babu Santana e Ramos é o ponto mais forte da projeção. Apoiado no talento dos dois atores, Marcos Jorge – que, além de diretor, é o roteirista do filme – consegue construir um suspense envolvente que usa a relação entre homem e animal como uma metáfora interessante das próprias relações humanas. Quando vemos os dois juntos em cena, não sobra muito para o resto da trama.

Por sorte, esse jogo de gato e rato (desculpem o trocadilho infame) fica ainda mais atraente quando vemos o contraste que é o ‘porradão’ da trama com a vida familiar de Santana, que forma o ‘núcleo’ mais interessante da história. Aqui, o destaque fica por conta do ótimo trabalho de Adriana Esteves, uma costureira humilde e evangélica. Além de ‘alívio cômico’, as relações familiares de Santana são responsáveis pelos momentos mais singelos e humanos da história.

Mas, ainda que seja um bom filme, “Mundo Cão” sofre do mesmo mal que os outros títulos lançados por Marcos Jorge: nenhum é “Estômago”. Há rompantes de genialidade, mas o resultado é raso quando comparamos com o filme estrelado por João Miguel e Fabiula Nascimento.