A vida nas favelas e nas periferias das grandes cidades já é temática comum ao cinema brasileiro, seja em suas versões mais coloridas e idealizadas ou em filmes que buscam retratar a realidade dura e crua dos seus personagens. No caso de Na Quebrada, Fernando Grostein Andrade tenta se encaixar neste segundo filão e se inspira em fatos reais para jogar seu olhar sobre a periferia de São Paulo, acompanhando a trajetória de cinco jovens que crescem sob a sombra do tráfico e da criminalidade.

O filme foi realizado com o objetivo de celebrar os dez anos de atividades do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, fundado pelo apresentador “bom moço” Luciano Huck (não por acaso, produtor do filme e meio-irmão do diretor). Desde 2003, o instituto estimula o desenvolvimento profissional e sociocultural de jovens de comunidades precárias através da capacitação na área do audiovisual. Nesse sentido, o filme de Grostein é quase uma continuação de seu curta-metragem Cine Rincão (2012), documentário em que já havia mostrado a história do projeto criado por Paulo Eduardo, um dos ex-alunos do instituto que sobreviveu a uma chacina e criou um cinema comunitário.

Em Na Quebrada, Grostein retoma a história de Paulo Eduardo (batizado na versão ficcional de Zeca) e acrescenta também as histórias de outros quatro jovens que passaram pelo instituto: Gerson, que cresceu acompanhando o pai presidiário e com medo de seguir o mesmo rumo; Joana, que passou a infância no orfanato e se envolveu com o crime mais tarde; Júnior, fascinado por eletrônicos, mas com o azar de quebrar todos os aparelhos; e Mônica, que vive com o receio de se tornar cega como seus familiares.

Fica nítido que todos os cinco personagens possuem histórias interessantes, que rendem bons momentos – Júnior, por exemplo, se destaca no papel de alívio cômico, com a incrível presença de Gero Camilo no elenco da subtrama, e Joana protagoniza uma sequência tocante no orfanato, com a participação inesperada de Monica Bellucci. É uma pena, portanto, que o filme não dê conta de costurar bem essas diferentes trajetórias: o que se tem, no fim das contas, é um roteiro fragmentado, que, a fim de dar conta de tudo, acaba caindo na superficialidade e deixando as narrativas mal desenvolvidas. As personagens de Joana e Mônica, por exemplo, são apresentadas já na metade do filme, e quase não têm tempo de tela. Já a amizade entre Gerson e Zeca, delineada com tanto esmero no primeiro ato, simplesmente some depois sem deixar vestígios.

Além disso, por mais que o papel do instituto e de outras ações sociais parecidas seja obviamente importante na vida desses jovens, insistir nisso a cada momento se torna um tiro no pé, e acaba deixando o filme com uma cara de “super vídeo institucional”. Tanto é que nem mesmo há um final propriamente dito: o filme simplesmente termina, mostrando durante os créditos os personagens reais que inspiraram o longa em entrevistas que reforçam esse caráter.

O filme acaba sendo prejudicado também por uma direção que às vezes beira o amadorismo, com inúmeros planos gerais de São Paulo em timelapses a fim de indicar a passagem de tempo com cara de videoclipe, e uma trilha sonora onipresente e manipuladora – problema que parece ter se tornado comum em muitos filmes nacionais, como se viu no recente Alemão. Talvez na tentativa de emocionar o público a qualquer custo, Grostein não consegue fugir do óbvio e investe em decisões como closes e supercloses nada sutis para enfatizar a expressão emocional dos seus personagens, e uma câmera na mão e planos tortos que tentam trazer uma falsa naturalidade. A direção confusa fica evidente numa sequência de homicídio no presídio, em que é impossível compreender direito as ações dos personagens e quem está onde e fazendo o quê.

De boas intenções o inferno está cheio, e Na Quebrada é um bom exemplo disso. Mesmo com boas histórias nas mãos, o filme não consegue passar de um típico favela movie, sem se desvencilhar das mensagens incentivadoras de autoajuda que o permeiam. Questões interessantes são até levantadas, como o cinema como agente transformador na vida desses jovens, e a falta de acesso de comunidades desfavorecidas a essa e outras atividades culturais no país. Ainda que interessante por ilustrar essa relevância do cinema, o filme em si poderia ser uma experiência cinematográfica bem melhor.