O começo é desorientador: ao som da sardônica “Once in a Lifetime”, dos Talking Heads, Alan Clay (Tom Hanks) nos anuncia que a sua vida deu errado. Um passado como executivo de sucesso numa fabricante de bicicletas, uma casa num bairro afluente, um carro do ano, tudo isso se foi. Tudo o que Clay tem à frente de si, agora, é apreensão: por não saber como pagar uma boa faculdade para a filha, por não aceitar o rumo desastrado da própria vida, por não saber se ainda é capaz de ser o vendedor eficiente que foi no passado, numa transação que está prestes a realizar na Arábia Saudita, e com o próprio rei do país.

Sob o péssimo título nacional de Negócio das Arábias, A Hologram for the King, lançado em abril nos Estados Unidos, chega agora aos cinemas de Manaus. Dirigida pelo alemão Tom Tykwer (de Corra, Lola, Corra e Perfume: A História de um Assassino), a obra é uma releitura particular do feel-good movie, aquele tipo de história sobre redenção e otimismo que é um expediente comum do cinema americano, mas que eu, sinceramente, não esperava ver surgir pelas mãos de Tykwer. Mas eu também não esperava algo do tipo com Danny Boyle, e o prodígio inglês cravou um exemplar memorável do gênero: Quem Quer Ser um Milionário? (2008).

Infelizmente, Negócio está longe de oferecer a experiência cativante e “pra cima” daquele filme. O que Tykwer tenta, aqui, é uma versão meio aguada de Amor sem Escalas (2009), de Jason Reitman, com sua mistura de comédia agridoce e subtexto econômico e social. Ainda assim, graças à força do par principal – Hanks, brilhante como sempre, e a inglesa Sarita Choudhury, como a médica de Clay, Zahra Hakem – a obra ganha força conforme a projeção avança, e acaba recompensando o espectador que persistir até o fim.

Infelizmente, é preciso persistir, sim: o roteiro, baseado num romance do escritor Dave Eggers, é desajeitado, e sua tentativa de agregar outros temas à narrativa principal – há um pretenso olhar “documental” sobre a vida no país, mas que soa mais turístico, especialmente quando todos os personagens árabes, exceto a doutora Hakem, são meio pitorescos; e as críticas à voracidade capitalista também soam fracas, sem uma fração da pungência de Amor sem Escalas – acabam atrasando a narrativa principal, que é a busca do personagem de Hanks por um norte. Felizmente, quando Tykwer deixa o filme nas mãos do ator, as coisas melhoram, e muito: a comédia funciona, os personagens secundários parecem menos esterotipados (sobretudo o motorista de Clay, Yousef, vivido por Alexander Black), e a atmosfera de desespero silencioso pretendida pela trama ganha enfim um rosto e empatia. Mais uma prova da grandeza do ator americano, que há muito não ganha um papel onde ele possa mostrar tão bem a sua versatilidade.

Com menos tempo de tela – sua personagem só aparece lá para a metade do filme –, Sarita Choudhury não apenas rivaliza com Hanks como chega a roubar a cena, como na sequência em que esta o convida à sua casa. Sem muitas oportunidades no cinema ocidental, ela ainda é mais conhecida dos cinéfilos pelos filmes em parceria com a diretora indiana Mira Nair, como Mississippi Masala (1990, onde atuou ao lado de Denzel Washington) e Kama Sutra: Uma História de Amor (1996). Aqui, pelo menos, com um papel bem escrito e sem estereótipos, ela mostra do quanto é capaz – o que deveria fazer outros cineastas do lado de cá se lamentarem por não a contratarem mais vezes.

Resta ao diretor e roteirista Tykwer o peso de ser o elo fraco em seu próprio filme. Se seu talento para o ofício continua óbvio – e o uso inteligente das locações desérticas como metáforas para a crise interior de Hanks são a prova –, a incapacidade, ou a falta de jeito, em manejar os elementos de uma história simples acabam fazendo de Negócio das Arábias um filme que custa a “pegar”. Mas fica aqui, mais uma vez, o apelo pra que você insista: o talento de Hanks, em plena forma, e o rumo cativante tomado pela trama vão fazer o preço do ingresso valer a pena.