Além do interesse óbvio de trazer filmes fora do circuito, a sessão Cinema de Arte também teve o mérito de apresentar verdadeira joias ao público cinéfilo de Manaus, neste 2015 que declina. Se as escolhas nem sempre foram alentadas – o magnífico Relatos Selvagens (2014), por exemplo, chegou quando muita gente já tinha visto o filme na internet, enquanto outros, bem-intencionados mas medianos, como Neruda (2014), não despertaram o entusiasmo –, pode-se dizer que ao menos uma maravilha largamente desconhecida (até na grande rede) agraciou o público que frequentou as sessões: Numa Escola de Havana.

Exibida neste último fim de semana (dias 17 e 18 de outubro), a película do diretor Ernesto Daranas foi a escolha de Cuba para representar o país no Oscar, mas não chegou a figurar entre os indicados. Trazendo um poderoso exame social embutido no olhar delicado sobre um garoto rebelde e o mundo que o cerca, Numa Escola de Havana remete a Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut, mas supera o mestre francês ao ir além do mero retrato, ainda que empático e sem enfeites, de um adolescente em crise, para atingir uma forte dimensão social, política – humana, enfim. O foco, aqui, não é tanto a solidão avassaladora de uma criança renegada, mas sim a indiferença, ainda mais brutal, de adultos irresponsáveis, unidos em torno de uma burocracia desumana e de um sistema educacional falido, que só agravam e perenizam tal situação.

Chala (Armando Valdés Freire, excelente) é um menino irrequieto e problemático de uma periferia de Havana. A mãe (Yuliet Cruz) é viciada em drogas, o que obriga o garoto a treinar pombos e cuidar de cães de briga para pagar as contas e comprar comida. Seu refúgio é a escola, onde só a professora Carmela (Alina Rodríguez, outra escolha acertadíssima) não desiste dele; seu comportamento impulsivo, fruto das situações absurdas a que é submetido, mais a energia típica da adolescência, o põem sempre a um passo de ser mandado para o reformatório. Também acompanhamos a vida de Yeni (Amaly Junco), paixão de Chala, e o oposto dele na escola: a melhor aluna, a mais disciplinada da classe – mas igualmente a ponto de estragar suas chances, já que ela e o pai vivem de forma irregular na capital cubana (situação que rende à menina a alcunha cruel de “palestina”).

Carmela postula que o reformatório não fará nada pelo garoto: se tanto, só o empurrará mais longe na direção do crime. Os jovens precisam de compreensão, incentivo, empenho integral do professor para encontrarem um futuro, algo que o sistema educacional, na figura da assistente social Raquel (Silvia Águila) vê como idealismo antiquado, se não como complacência, da veterana educadora. (Mal) dito assim, parece um daqueles chatérrimos filmes-tese, feitos mais para glorificar o próprio diretor, mas Daranas evita todas as armadilhas do gênero ao aderir por completo a seus personagens: ninguém, aqui, é maquete de uma tese ou discurso; todos, mais do que servirem a uma denúncia, são caracteres vivos, de comoventes dramas e alegrias. O roteiro, do próprio diretor, e sua condução delicada acompanham a incredulidade, a perplexidade, mas também as palpitações e descobertas dos atores mirins, enquanto a construção altiva e ao mesmo tempo frágil de Alina Rodríguez transcende em muito a emulação de Ao Mestre com Carinho (1967).

Tudo isso para dizer que Numa Escola de Havana tem muito mais em comum com filmes como Boyhood – Da Infância à Juventude (2015) ou Azul é a Cor Mais Quente (2013), com seus retratos cheios de humanismo e encanto da juventude atual, ou Pelo Malo (2013), de Mariana Rondón, que potencializa a crítica social e política ao valorizar o drama íntimo, do que qualquer filme explicitamente de denúncia do cinema recente. O filme é de Cuba, mas a crítica às distorções do regime Castro, que existem, poderiam se aplicar a toda a América Latina, ou ainda a qualquer lugar do mundo onde o elemento humano – seja na educação, seja no próprio cinema – esteja perdendo terreno para a impessoal, indiferente e odiosa eficiência. À sua maneira compassiva e urgente, Ernesto Daranas pede um mundo menos saturado de likes, e mais cheio de afeto.