Embora isso certamente se deva à presença da ubíqua youtuber paranaense Kéfera Buchmann, estrela da comédia É Fada!, um dos grandes sucessos do cinema brasileiro neste ano, há que se saudar a chegada, em Manaus, do filme O Amor de Catarina, estreia do cineasta Gil Baroni em longas de ficção.

Com ecos do Pedro Almodóvar circa De Salto Alto (1991) e Kika (1993), a obra, financiada de forma independente, embala uma delicada trama de solidão com uma homenagem afetuosa às telenovelas brasileiras, mas problemas sérios de ritmo e tom, mais a presença ruidosa de Kéfera, acabam quase por abafar o belo trabalho da protagonista Greice Barros.

Na trama, Greice é Rose, uma dona de casa resignada e solitária, que se descobre alienada da própria família: sua filha (Tiphany Schepanski) mal lhe dirige a palavra, e seu marido (Luiz Bertazzo) é pouco mais que um ornamento na construção de seu quadro idealizado de família “normal”. Só uma coisa consegue lhe tirar do torpor: acompanhar, na televisão, os desdobramentos da novela “O Amor de Catarina”, protagonizada por Kéfera. Ao mesmo tempo, somos apresentados a Júlio (Rodrigo Ferrarini), um ator de teatro que vai morar com a avó (Claudete Pereira Jorge) após uma desilusão amorosa. Completa o quadro Dolores (Ciliane Vendruscolo), a melhor amiga de Rose, que se interessa por Júlio.

Curiosamente, o elemento que mais chama a atenção no filme – e que poderia ser o seu grande diferencial – é o menos inspirado: o paralelo entre a novela e a vida de Rose. Com sua atmosfera farsesca, de gestos exagerados que deveriam ser uma homenagem brincalhona, mas acabam soando mais como uma sátira (e, nesse sentido, lembrando Lisbela e o Prisioneiro), a novela “O Amor de Catarina” acaba sendo a âncora que impede o filme de decolar. Não ajudam, para isso, a atuação dura e apática de Kéfera, com quase nada do carisma que a tornou tão querida no YouTube e sobra em É Fada!, nem tampouco na forma arbitrária com que a obra alterna entre as cenas da novela e os episódios da vida de Rose. A diferença se torna absurda na sequência final do filme, que contrasta o fim da novela com uma festa em família, onde Greice entrega a performance mais tocante da produção.

As inserções de “O Amor de Catarina” também têm o agravante de “murchar” o desenrolar da história de Rose, de sua triste descoberta à retomada gradual do rumo. Para cada novo lance na vida da personagem, há um irritante interlúdio da novela, uma tática que pontua o tema de confusão entre vida e arte do roteiro (e que aparece também na história de Júlio), mas cujo uso excessivo prejudica a empatia com o drama de Rose (e, nesse sentido em particular, lembrando Joy – O Nome do Sucesso, de David O. Russell). As alusões constantes, não só às telenovelas, mas à música romântica e ao rock dos anos 1980, época em que se passa a história, lembram o uso afetuoso do kitsch por Pedro Almodóvar, mas a direção de Baroni infelizmente tende mais para o ruído de Kika do que para a delicadeza de De Salto Alto (o tema da amizade feminina também remete às obras do espanhol).

Falta a Baroni, ainda, uma maior naturalidade na condução da narrativa. Seus trabalhos como videomaker no Paraná lhe permitiram extrair um filme coerente e de bons momentos de um orçamento – mirradíssimo – de 180 mil reais, mas também lhe infundiram tiques modernosos, como ângulos de câmera e encadeamentos de planos por vezes arbitrários, coisas que ficam bonitas na hora de filmar, mas que soam artificiais dentro do contexto da trama.

Mesmo com tudo isso, o trabalho de Greice Barros é tão bom que consegue reavivar o filme a cada vez que ela está em cena. A capacidade da intérprete de tornar verdadeiras – e tocantes – frases como “a nossa história acabou” é a maior recomendação para se assistir O Amor de Catarina, mas também há a oportunidade de se buscar um programa diferenciado, um filme independente brasileiro de tom intimista, que não apela à comédia mais rasteira (ainda que por vezes escorregue nela) nem ao drama de tintas fortes, e que oferece uma alternativa madura à típica produção Globofilmes – ainda que dependa do sucesso de Kéfera, que acaba de emplacar sua própria produção típica GF, para chegar a Manaus.