Steven Spielberg já deixou um belo legado ao cinema fantástico de aventura através de obras que encantaram gerações de cinéfilos. Depois de faturar o seu segundo Oscar como diretor, foi notório o relaxamento da sua parte, procurando dirigir filmes de apelo mais particular, sem se preocupar se eles estavam em sintonia com o que Hollywood exigia naquele momento. É a partir deste período que sua arte ficou mais pessoal, porém mais adulta, até porque Spielberg apresentou um domínio ainda maior sobre a narrativa e hoje no meio artístico, é um dos melhores contadores da história do cinema.

Nos últimos tempos, ele preferiu investir em diversas temáticas, deixando de lado o fantástico (seus três últimos trabalhos são dramas de épocas) logo, não deixa de ser uma surpresa, que desde o subestimado Hook – A Volta do Capitão Gancho (1991) não apostava tão incessantemente no gênero infantil – As Aventuras de Tintim (2011) flerta com esta faixa etária, ainda que a temática adulta se sobreponha. Finalmente essa espera de retorno ao gênero que o consagrou terminou com a estreia de O Bom Gigante Amigo, lançado na última semana.

Nele, o simpático Mark Rylance – vencedor do Oscar de Coadjuvante este ano por Ponte de Espiões, também em parceria com o diretor – vive através da captura de movimentos, o personagem título, um gigante apelidado pela órfã Sophie (a carismática Ruby Barnhill) de BFG. Órfã e insone, ela vê o gigante perambulando pelas ruas escuras da East End londrino e este sem alternativa pela descoberta, resolve sequestrá-la para seu mágico país. Lá, ela descobre que ele é mais dócil da sua raça, e tem o hobby de criar sonhos e pesadelos para os seres humanos. Quando o local é ameaçado por um grupo de gigantes malvados, Sophie junto com o novo amigo, vão organizar um plano para salvar o lugar dos antagonistas.

No plano das ideias, tudo indicava que o novo trabalho daria certo: cineasta retornando ao gênero que é Ph.D; roteiro escrito por Melissa Mathison (falecida ano passado), responsável pelo hit do diretor, E.T – O Extraterreste (1981); texto adaptado do mundo literário fantástico de Roald Dahl (mesmo autor de A Fantástica Fábrica de Chocolate e o Fantástico Sr. Raposo) e por fim, o primeiro filme do diretor produzido pelos estúdios Disney. Tudo alinhado e conspirando a favor para volta do antigo artesão do cinema de fantasia, não tinha como dar errado, correto? Bem, deu. É triste constatar que BFG no plano prático é uma fábula desarmônica, que apesar das suas boas intenções de encenar uma história de solidão e inadequação infantil, não consegue conectar o espectador a uma emoção genuína ou tocante que o próprio Spielberg sempre soube oferecer com maestria ao público, nas suas obras mais marcantes.

Efeitos visuais não compensam a falta de emoção da história

A própria estrutura narrativa é o principal problema. Há vários “deslizes” no ritmo ou no arco geral da história. Não permite identificar qual é o foco principal do filme, se é a amizade entre Sophie e o Gigante ou o processo de criação dos sonhos, situação mencionada várias vezes durante a produção – o gigante é uma espécie de mago dos sonhos – mas que não apresenta uma finalidade narrativa que a justifique. É notória a falta de habilidade de Spielberg em alinhar os dois enredos, ou pelo menos permitir que funcionem individualmente. A própria relação entre os dois protagonistas é frágil na ligação emocional, até pela forma como a história salta bruscamente de um incidente para outro. Também não tem como deixar de associar (ou comparar) a E.T – O Extraterrestre, pois são perceptíveis as várias semelhanças entre eles, mas aqui temos uma direção no piloto automático que não consegue contagiar ou dar vida a sua fábula.

O texto de Dahl, por sua vez, sempre foi marcado por ser uma fábula sombria e de emoções densas. BFG de certa forma tenta suavizar estes elementos, recorrendo a um humor que falha principalmente por ser infantilizado ao extremo e que nada remete as outras épocas na qual seu diretor utilizava uma veia cômica, que mesmo ingênua, sabia ser deliciosa. O exemplo é a sequência que o gigante se encontra com a rainha da Inglaterra. Toda situação é construída num divertido nonsense que é estragado por um clímax que beira o ridículo relacionado à flatulência – talvez a intenção fosse reviver aquele momento infantil da época da escola, que você pedia para o colega puxar o seu dedo para explicar a piada do peido. Era divertido naquele tempo, mas hoje não.

Outro momento que demonstra a irregularidade de Spielberg de concluir uma boa cena é aquele onde gigante explica para Sophia, o seu lado mago dos sonhos. Toda situação é desenhada por uma imagem de encantamento através da visão de uma criança que sonha enquanto os dois personagens a observam. É um momento poético e mágico que denota que o cineasta ainda tem o talento de como contar histórias, que reflete em uma fala inspirada que parece retirada de algum filme antigo do cineasta “os sonhos parecem rápido para quem está fora, mas é eterno para quem está dentro”. Mas esta própria sequência é destruída segundos depois, quando é insinuado que o maior sonho que uma criança pode ter na vida é esperar a ligação do presidente americano. Não contente Spielberg mais tarde, insere o exército americano do governo Reagan como um elemento importante para resolução de um dos conflitos dramáticos da fábula.

É claro que tecnicamente a produção deixa uma boa impressão no espectador: Os travellings utilizados pelo diretor no giro de 360 graus passeiam e valorizam cada parte dos cenários apresentados (a Londres oitentista e a terra dos gigantes), ressaltando o ótimo design dos efeitos visuais da atmosfera fabulesca e o magnífico trabalho de captar as emoções dos personagens. Vale destacar a irrepreensível criação da terra dos sonhos através do 3D que é bem semelhante ao desenvolvido em As Aventuras de Pi. O uso do Motion Capture também é sensacional e ajuda destacar cada ação e emoção do ator Mark Rylance, permitindo o inglês mostrar sua versatilidade em um personagem que nada lembra a postura introspectiva do seu espião russo de A Ponte de Espiões. Esta faceta adorável funciona juntamente a performance da estreante Ruby Barnhill que pode ser facilmente enquadrada em mais um acerto da galeria de astros mirins sob a tutela do diretor.

Por isso, no geral sobra esmero técnico e falta emoção ao O Bom Gigante Amigo. Apesar de ser pensado como uma fábula infantil, dificilmente vai agradar este público, assim como deve entediar o público adulto, devido a sua narrativa irregular e ritmo maçante. Sabe o mundo invertido de Stranger Things (seriado que basicamente é uma homenagem ao cinema Spielberguiano)? Podemos dizer que BFG é a versão contrária que deu errado de E.T – O Extraterreste. Até mesmo, um ótimo contador de história como Spielberg pode ter seu dia de azar e oferecer uma fábula morna e arrastada. É triste falar isso, mas é preferível rever aquele melodrama choroso de Cavalo de Guerra (2011), do que tentar entender qual era a finalidade principal do cineasta neste seu novo filme.