Já escrevi antes sobre a minha desconfiança de filmes com muitos nomes conhecidos no elenco. Sempre fica a impressão – invariavelmente confirmada – de que rostos célebres são uma forma de legitimar um projeto incapaz de se sustentar por si próprio, pela força de suas ideias ou sua execução. O Círculo é mais uma evidência dessa triste teoria.

Com Emma Watson e Tom Hanks à frente, mas trazendo em participações aqui e ali os rostos razoavelmente conhecidos de John Boyega (o Flynn de Star Wars: O Despertar da Força), Ellar Coltrane (o garoto de Boyhood: Da Infância à Juventude) e Bill Paxton (Titanic, Twister e outras ubiquidades dos anos 90), O Círculo é basicamente um exercício de frustração. Adaptado de um romance do escritor americano Dave Eggers, a obra é o oposto de um dos últimos filmes de Hanks, Negócio das Arábias, lançado ano passado (por sinal, também tirado de um romance do mesmo autor): enquanto aquele começava de forma artificial, sem ressonância, e ganhava em força e pungência à medida que a história avançava, O Círculo desperdiça suas boas premissas com a falta de surpresas e o desfecho utópico, ingênuo, pouco convincente até pro espectador não tão cético.

Mae Holland (Watson) é uma jovem ambiciosa contratada pela empresa de tecnologia mais admirada e descolada do mundo: The Circle, ou o Círculo. Concebida como uma comunidade de inovadores do mundo digital, ela traz a última palavra em ambientes modernos, criativos, e uma cultura de transparência, “estimulando” o compartilhamento das atividades de seus funcionários através das redes sociais, e criando gadgets capazes de invadir espaços cada vez menores, que podem espionar políticos, criminosos e, claro, todos os demais. Em outras palavras, uma combinação de Google e Facebook, com suas respectivas sanhas pelas informações pessoais de seus usuários. Entusiasmada no começo, Mae descobre – quem diria! – que a transparência radical proposta pela empresa é só um pretexto para lucrar com as preciosas informações de seus clientes, e que esta tampouco se aplica aos verdadeiros donos do negócio: Eamon Bailey (Hanks) e Tom Stenton (Patton Oswalt, do excelente Jovens Adultos [2011]). Quando as maquinações da Circle se provam grandes e suas implicações nefastas demais, Holland decide que é preciso agir, antes que o mundo caia num novo totalitarismo.

É a oportunidade de ver Tom Hanks como vilão o grande atrativo de O Círculo. O elenco dá alguma vida à direção monótona de James Ponsoldt – Watson mostra a segurança de sempre, enquanto Coltrane é artificial e exagerado nos gestos –, mas é Hanks o verdadeiro e único show. A nobreza inata do ator faz ele parecer simpático até como o Steve Jobs maquiavélico (redundância?) da Circle, tornando-o especialmente inquietante nas cenas de diálogo com Mae. Até nisso, porém, o filme é underwhelming, aproveitando pouco o deleite do astro em cometer suas primeiras vilanias. Personagens bem menos interessantes, como o Mercer de Coltrane, ex não muito interessante de Mae, e Annie (Karen Gillan, de Guardiões da Galáxia), melhor amiga – e depois rival – da protagonista, têm bem mais tempo em cena.

O que meio que resume o trabalho de Ponsoldt aqui: egresso do cinema alternativo, com sua primeira chance num filme com orçamento e elenco de estrelas, o cineasta, que também assina o roteiro ao lado de Eggers, tem excelente material em mãos – empresas de tecnologia, a corrida pelo Big Data, a paranoia da vigilância virtual –, mas entrega um thriller apenas mediano, em que todo o desenrolar e as implicações da trama podem ser antecipados pelo espectador mais atento. Nem o realismo febril de A Rede Social, nem as angustiantes confrontações éticas de Steve Jobs, ou as visões perturbadoras da primeira temporada de Black Mirror: O Círculo está mais para a contraparte sombria de Os Estagiários (2013), a comédia com Owen Wilson e Vince Vaughn que endossava explicitamente a aura cool e os métodos de trabalho do Círculo. Do Google, quero dizer.