Já faz algum tempo que a carreira de Tim Burton pode ser definida não só por altos e baixos, mas principalmente por “quases”: a “reimaginação” que quase tinha tudo para dar certo em Alice no País das Maravilhas (2010); a quase bem-sucedida releitura nostálgica de Sombras da Noite (2012); o quase drama maduro com cara de Oscar de Grandes Olhos (2014). Curiosamente, o tempo só fez cada uma dessas experiências-de-quase-bom-filme piorarem com o passar do tempo, e empalidecerem cada vez mais no meio da filmografia do próprio diretor – hoje, o último grande filme de Burton é ainda o sensível e divertido Frankenweenie (2012).

Se Frankenweenie acertava ao apostar em características que tornaram Burton popular em primeiro lugar, como a inadequação de seus protagonistas em relação ao mundo, o cuidado com a atmosfera gótica e as estranhezas e bizarrices no meio do caminho, seu mais novo esforço, O Lar das Crianças Peculiares, traz à telona basicamente o mesmo conjunto de fatores, mas a experiência ainda é um “quase lá”, aquela velha sensação de ter batido na trave.

Baseado no livro de Ransom Riggs (que, de acordo com os fãs, diverge em muito do filme), O Lar das Crianças Peculiares acompanha Jake (Asa Butterfield), jovem negligenciado pelos pais e que acaba de perder o avô (Terence Stamp), com quem sempre foi muito próximo e que lhe alimentou com histórias de um mundo de fantasia. Em busca de saber mais sobre o passado do avô, Jake encontra o orfanato comandado pela Srta. Alma Peregrine (Eva Green), um lugar preso numa espécie de fenda do tempo, em que todos os dias são em 1943, reunindo crianças “peculiares” que poderiam ser vizinhas do Instituto Xavier para Jovens Superdotados ou de Hogwarts.

Crianças estranhas metidas em situações bizarras é quase uma especialidade “burtoniana”, e isso o diretor tira de letra: o melhor do longa-metragem é mergulhar no universo dos peculiares e suas habilidades, trazido à vida cuidadosamente pela direção de arte de Gavin Bocquet e a fotografia de Bruno Delbonnel. O equilíbrio entre o macabro e o divertido está sempre em cena, e é gratificante perceber que Tim Burton entende que um filme infantil não precisa ser ingênuo nem excessivamente bobo – um pouco de medo de monstros e pessoas com olhos arrancados também faz bem para a criançada.

O Lar das Crianças Peculiares, de Tim Burton

É ao aliar esses elementos que O Lar das Crianças Peculiares se sai melhor: a batalha climática entre um exército de esqueletos e monstros invisíveis envolvendo chicletes e confetes remete diretamente aos “clássicos da Sessão da Tarde” de Burton, como a dança comandada pelos espíritos de Os Fantasmas Se Divertem – os pais de Jake, aliás, são tão ausentes quanto aqueles eram, numa temática também recorrente. O protagonista, inclusive, apesar da inexpressividade de Asa Butterfield, ainda consegue cativar como se fosse um jovem Edward Mãos-de-Tesoura – em tempos em que Johnny Depp se afunda cada vez mais na lama, é bom ter uma alternativa. Na pele do vilão Sr. Barron, Samuel L. Jackson é outra bola dentro, passeando confortavelmente entre figura diabólica ameaçadora e alívio cômico que comenta os erros da própria narrativa.

O que impede Burton de conseguir um grande filme, aliás, é a própria história. O problema não está tanto no arco óbvio de Jake, mas na inabilidade do roteiro em conseguir lidar bem com todos os personagens e desdobramentos apresentados, e ainda tentar investir em um romance que só soa bobo e desnecessário, encaminhando para um final anticlimático.

Não quer dizer que a viagem não valha a pena, porém: O Lar das Crianças Peculiares nos lembra porque o próprio Tim Burton é um diretor peculiar – e só falta um pouquinho para, quem sabe, ele conseguir dar à luz mais um grande filme por aí.