Entre os anos 50 e 70, o cinema brasileiro viu crescer um gênero cinematográfico muito peculiar, o nordestern.  Comumente conhecido como Cinema de Cangaço, esse gênero passa a ser desenvolvido a partir do gênero western dos Estados Unidos, que também passa a ser reinventado a partir da leitura de cineastas em diversos países. No Brasil – na forma de nordestern – inúmeras obras aproximam-se das convenções formais que caracterizam esse grande gênero cinematográfico, transformando-as em novas possibilidades e, assim como no western “clássico” sai em busca da identidade nacional, a que muitos chamam de “brasilidade”.

O movimento, que teve destaque quando o filme de Lima Barreto (O Cangaceiro – 1953) ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Cannes há mais de 60 anos atrás, tem essa marca histórica e busca criar uma identidade. Uma característica explícita de dar voz e espaço a um ambiente esquecido por um brasil gigantesco.

O matador, primeiro filme original e brasileiro da Netflix dirigido por Marcelo Galvão, resgata todas essas características –  criando um momento de extrema importância para o cinema nacional. Tendo em vista que as produções que perpassam o Nordeste e o cangaço tiveram uma queda desde os tempos dourados do nordestern.

O filme conta a história de Cabeleira (Diogo Morgado), um temido assassino de Pernambuco, que foi criado pelo cangaceiro Sete Orelhas (Deto Montenegro), que o encontrou abandonado quando bebê. Agora adulto, ele vai à cidade procurar o desaparecido Sete Orelhas. Cabeleira encontra uma cidade sem lei governada pelo implacável Monsieur Blanchard (Etienne Chicot), um francês que domina o mercado de pedras preciosas.

Durante todo o filme, seguimos um narrador contar a história que se passa em um sertão dos anos 20, recriando um passado muito recente e permeado de questões que ainda precisam ser discutidas. Talvez esse seja o ponto alto do filme, um viés social e político, que grita às portas de um Brasil democrático que ainda precisa avançar.

O cinema tem esse poder e buscar a temática nordestina foi um grande passo para a Netflix e seus produtores. Pois resgata um passado e um presente de um lugar em que não há leis e autoridades -, a única lei que se conhece é a da sobrevivência. O diretor deixa isso claro ao colocar na voz das personagens um diálogo que leva à reflexão. “Cadê a lei dessa cidade?”, questiona uma das personagens. “Está tirando uma soneca”, responde o delegado pouco preocupado.

O filme é exagerado. Passeia entre o drama sofisticado e o trash, mas deixa a desejar uma história mais convincente. O uso do narrador foi o ponto fraco, deixou a narrativa menos dinâmica e mais teatral, fazendo lembrar cenas de novelas.  A construção das personagens é escrachada e pouco aprofundadas, assim como a história que parece fluir apenas pela violência gratuita (e ás vezes sem sentido). O suspense, o drama e os maneirismos do sotaque dos filmes desse gênero parecem fazer falta. Fazendo a experiência ser esquecível até certo ponto.

A intenção de Marcelo, talvez, ao retratar o filme assim parece ser encaixada com a própria condição sobre o que é o nordeste afastado dos grandes polos. “O sertão é terra seca, dura, cruel”, diz Cabeleira em uma de suas falas.  E é isso que se vê no filme, mas é inegável falta humanização das personagens, principalmente ao se falar do Nordeste, em que a sensibilidade humana é sempre muito abundante -, falta o vínculo com o espectador e a torcida para que tudo dê certo, mesmo com as atribulações apresentadas.

A fotografia de “O Matador” é o ponto alto do filme. É estonteante a forma como a paisagem é transformada em uma peça artística. A esterilidade do ambiente ganha vida na tela e passa um ultrarrealismo sobre o local. Criando um ambiente que sai da ficção e impulsiona a veracidade das imagens. Uma viagem para aqueles que nunca visitaram o sertão e um convite para exploradores.

O filme não é um “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha ou um inesquecível “O Alto da Compadecida” (2000), de Guel Arraes, mas busca e resgata o gênero que dá força a filmes do nordestern e do sertão como “O Cabeleira” (1963), de Milton Amaral. Nesse ínterim, é válido dizer que a produção é positiva, apesar de tudo. É um ponto de partida para mais produções que buscam dar importância à cultura, à história e, principalmente, à um cinema brasileiro de qualidade.