Em 2017, It: A Coisa fez história não só ao adaptar o épico livro – épico mesmo, com mais de mil páginas – de Stephen King, mas também ao se tornar o filme de terror de maior sucesso comercial de todos os tempos, sem ajustar pela inflação. It arrecadou 700 milhões de dólares na bilheteria mundial, com quase metade desse valor vindo dos Estados Unidos. Foi um filme que de maneira geral agradou ao público, à crítica e aos fãs do livro, um dos mais populares e queridos do mestre do terror.

Mas o filme de 2017 só levou para as telas uma parte do livro… Em It, Stephen King nos conta uma grandiosa história de bem contra o mal, amizade e amadurecimento pelo ponto de vista da infância e da idade adulta: parte do livro é ambientada em 1958, quando os garotos do Clube dos Otários enfrentam a criatura maléfica que aparece para eles, entre outras formas, como Pennywise, o palhaço dançarino; e a outra parte se passa em 1985, 27 anos depois, quando os mesmos personagens já adultos precisam retornar à assustadora cidade de Derry para enfrentar Pennywise de uma vez por todas.

It: A Coisa se fixou na parte das crianças e, claro, grande parte do sucesso do filme se deve à boa e velha nostalgia: a ambientação atualizada para 1989 aproximou a obra, formalmente, de uma produção anos 1980 de Steven Spielberg, por exemplo, só que com sangue e um clima macabro. E o fato de Stranger Things na TV ter pavimentado o caminho para It sem dúvida não atrapalhou… No entanto, passado o sucesso do primeiro filme, pode-se até dizer que o desafio do diretor Andy Muschietti, do roteirista Gary Dauberman e da equipe no Capítulo 2 será ainda maior, por vários motivos, os quais pretendo explicar neste artigo. Então, acompanhem-me enquanto dou uma de vidente aqui – uma vidência com base na leitura do livro, claro, e COM SPOILERS do livro e do filme – e vamos tentar adivinhar “O que esperar de It: Capítulo 2”…


Sem nostalgia, um maior aprofundamento dos personagens

De cara, Muschietti já vai perder o atrativo do seu cativante elenco jovem, embora já se saiba que ao menos alguns deles devam aparecer no Capítulo 2. E convenhamos, a seção dos adultos no livro é mais breve, mais direta e um pouquinho menos interessante do que a das crianças.

Porém, o cineasta conseguiu reunir um bom elenco para interpretar as versões adultas dos personagens: James McAvoy como Bill, Jessica Chastain como Beverly, Bill Hader como Ritchie… Além do retorno de Bill Skarsgård como Pennywise. Então, material para trabalhar, ele tem. E agora, com uma audiência cativa que já vai estar curiosa para ver o final da história, o diretor e o roteirista podem se sentir mais à vontade para fazer um filme um pouco mais sombrio, mais sério e assustador. Certas passagens do livro, na seção adulta, se mostram especialmente propícias para isto. Afinal, o que assusta um adulto é diferente do que assusta uma criança, e um dos pontos fracos do filme de 2017 era o fato de ele, exceto pela cena inicial perfeita, não ser muito assustador – com o tempo, um jump scare atrás do outro e o excesso de computação gráfica erodiram o poder do palhaço Pennywise.


Por favor, não outra donzela em perigo!

A pior parte do filme de 2017 foi ver a Beverly sequestrada pelo Pennywise e ser usada como motivo para os garotos irem para os esgotos confrontar a Coisa. Poxa, a Beverly do livro, em qualquer período, é uma personagem forte e a do filme também estava sendo – até ali. Ao invés de pensar um pouco mais, os roteiristas seguiram a opção clichê do cinema de fazer a mocinha precisar ser resgatada pelos heróis. E o pior é que King usa esse artifício, embora de forma mais competente, na seção dos adultos do livro, quando a esposa de Bill, Audra, é levada para os esgotos. Não é motivo para ver o Capítulo 2 fazer isso de novo…


Uma visão da origem de Pennywise

A origem do mal em Derry é tocada de forma muito breve no primeiro filme, e está presente no livro, portanto é de se esperar que seja abordada no Capítulo 2. De fato, o grande desafio agora será dialogar com o primeiro filme, do mesmo jeito que os diferentes períodos históricos dialogam no livro. Não é um desafio fácil, e só de lembrar que Dauberman também escreveu o recente festival de clichês de A Freira (2018) não inspira muita confiança, mesmo ele tendo trabalhado no primeiro filme. O que me leva a…


O ritual de Chüd

Tanto em 1958 quanto em 1985, os personagens tentam derrotar a Coisa com algo chamado “o ritual de Chüd”. Quando se o descreve parece algo bobo, mas o ritual se encaixa perfeitamente no clima de conto de fadas distorcido criado por Stephen King, uma solução infantil para se vencer o medo da infância: encarar a fonte do medo, no caso o Pennywise transformado numa gigantesca criatura-aranha, e travar uma batalha mental com ele numa outra dimensão, onde existe o bem, representado por uma enorme tartaruga (!), e o mal, a própria Coisa.

Bem, também precisamos lembrar que em meados dos anos 1980, quando estava escrevendo esta e outras obras, King estava alto na cocaína, então é igualmente possível interpretar o final do livro como brilhante ou uma besteirada total… Mas de algum modo, o livro sobrevive a esse final.

O fato é que eu não tenho a menor ideia como o Capítulo 2 vai tratar isso. Dauberman já declarou que o ritual, de alguma forma, estará no filme, então vamos ver. No primeiro filme não houve nem menção disso: os meninos do Clube dos Otários simplesmente cobriram o Pennywise de pauladas até ele desaparecer por um buraco, algo que nem passa perto do que ocorre no livro. Esse momento foi claramente uma simplificação deselegante do roteiro para guardar alguma forma do ritual – ou de outra maneira elaborada de destruir o mal – para o Capítulo 2. De minha parte, embora reconheça que o espectador médio de cinema possa ter problemas com esses conceitos mais “viajantes” no desfecho do seu espetáculo de terror, eu gostaria que os cineastas tivessem a coragem de abraçar o bizarro, ao menos um pouco, como o livro o faz. O primeiro It, apesar de bom, acabou sendo um filme de terror meio convencional; já imaginaram se o segundo tivesse ao menos algumas pitadas de David Lynch?

Então, o que esperar?

Em minha opinião, It: Capítulo 2 elevará o primeiro e comporá com ele uma experiência narrativa interessantíssima dentro do gênero terror se os cineastas responsáveis por ele se mantiverem focados na essência do livro. Podemos esperar um filme mais “adulto” – obviamente – e que busque uma ressonância emocional, aproveitando-se das qualidades do primeiro. Vamos torcer para que também consiga ser menos convencional e mais ousado, e com um pouquinho menos de computação gráfica – ei, é possível sonhar. O ritual e a origem da Coisa estarão presentes de alguma forma, então torço para que os cineastas sejam felizes na adaptação desses momentos complicados e provavelmente impossíveis de transpor para a tela do jeito que foram escritos. O primeiro filme demonstra que eles captaram o espírito do livro de King, então já estão com meio caminho andado.

De qualquer forma, pretendo estar no cinema em setembro de 2019 para conferir.