Alguns meses após a cerimônia do Oscar 2017, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Ampas) apresentou a lista de novos membros, que terão direito a votar na premiação, entre outros benefícios. Muitos nomes surpreenderam, seja pela carreira que já haviam apresentado (como assim Alejandro Jodorowski e Charlotte Gainsbourg já não eram membros?) ou seja por performances que, digamos, não dialogaram com a Academia ao longo da carreira (Lou Ferrigno? Tom Felton?).

A presença brasileira foi muito comemorada, com as inclusões obrigatórias de Cacá Diegues e Nelson Pereira dos Santos (ambos membros do clube ‘como assim eles nunca haviam sido convidados?’), e o ‘bem-vindo ao clube’ de três dos maiores nomes do cinema nacional na atualidade: Kleber Mendonça Filho, Walter Carvalho e Karim Aïnouz. No meio, ficou o convite a Rodrigo Santoro, integrante de uma lista bem diversa que é a do comitê de atores (outros brasileiros lembrados foram a cineasta Heloísa Passos, o roteirista Maurício Zacharias e o DP Affonso Beato).

O que deu para tirar desta lista?

É certo que a Academia tem se preocupado em diversidade, ainda mais após os dois anos seguidos de “#OscarSoWhite”. Isso se nota na própria cerimônia. Desde que a hashtag ganhou o mundo, os produtores se preocuparam em convidar atores de minorias para participar de alguma forma. Entre boicotes, como o de Jada Pinkett Smith, e participações anticlimáticas, como a do apresentador Chris Rock, a Academia viu que era hora de mudar.

Mudança gradativa

Esse estalo veio tarde. Em 2005, membros mais velhos da Ampas, como Tony Curtis e Ernest Borgnine, iniciaram um boicote a “O Segredo de Brokeback Mountain”. “Howard Hughes e John Wayne não teriam gostado”, disse Curtis. “Não é um filme tão importante quanto querem fazê-lo ser. Não há nada de único. A única coisa diferente é como eles colocaram isso na tela. E fizeram os cowboys serem gays”, proferiu, cheio de preconceito, o mesmo Curtis.

O boca a boca entre membros da Academia pode fazer ou destruir um filme. O período de campanha parecia fazer de “Brokeback…” o vencedor do prêmio principal do Oscar, mas a ala conservadora da Academia acabou vendo em “Crash” – um drama burocrático e até problemático na forma com que retrata o racismo – o filme a ser votado. Não deu outra. Jack Nicholson se chocou e, até o anúncio de “Moonlight” neste ano, esse havia sido o mais surpreendente vencedor recente de “melhor filme”.

A presidente da Ampas, Cheryl Boones Isaacs, começou a mudança no quadro de membros já em 2016, quando o segundo ano de #OscarsSoWhite não caiu bem entre a indústria. A mea culpa de ignorar títulos como “Beasts Of No Nation”  “Straight Outta Compton” e “Creed” (em uma infeliz coincidência, estes dois últimos tiveram indicações isoladas para pessoas brancas) fez a Academia sair da comodidade e lembrar que a indústria tem se renovado e que os “velhinhos do Oscar” há muito não têm gostos que refletem esse frescor (vide os já citados Tony Curtis e Ernest Borgnine).

Ficou acordado que os membros mais velhos teriam direito a voto apenas se continuassem ativos na profissão. “Ao mesmo tempo, a Academia vai suplementar o processo tradicional em que membros atuais indicam novos nomes, com uma campanha ambiciosa e global para identificar e recrutar novos membros que representem uma maior diversidade”, disse Isaacs, à época.

A lista de atores, que contém os nomes mais reconhecíveis ao público, é um sopro de ar fresco. A presença de Bollywood, por exemplo, é maciça, com convites estendidos a nomes como Aishwarya Rai Bachchan e Irrfan Khan. Ainda na Ásia, mercado que ‘salva’ muitos blockbusters rejeitados mundo afora, há a presença de Donnie Yen, Ming-Na, Fan Bingbing, e John Cho, entre outros.


Números importantes

Entre 2015 e 2017, houve um aumento de 359% no número de mulheres convidadas para a Academia. Atualmente, elas compõem 39% do quadro geral.

O número de pessoas de cor convidadas para a Academia também cresceu nos últimos dois anos. O índice aumentou em 331%. O contingente total é de 30%.

Sete grupos convidaram mais mulheres que homens: atores, diretores de elenco, figurinistas, designers, documentaristas, executivos e montadores.

O que isso representa?

O Oscar de 2017 foi o primeiro com o corpo de votantes mais diverso. O resultado foi a premiação surpreendente a “Moonlight”, bem como a presença de minorias nas categorias principais. É claro que os votantes “dependem” de a indústria abraçar ou não um filme (em outras palavras: depende-se muito da campanha).

Mas, uma audiência cada vez mais global e em contato com universos e cinemas diferentes do que o Oscar geralmente premia, assim como nomes mais ligados à televisão (que anda bem mais interessante que a sétima arte), podem mostrar que “Moonlight” não foi um ponto tão fora da curva assim. E mais alguém está curioso para ver em quem Nelson Pereira dos Santos, ‘Jodo’ e Lou Ferrigno vão votar?