Neste dia, há 15 anos, o mundo parava completamente para assistir o horror dos atentados do 11 de setembro. Impotente, o povo estadunidense, cuja combinação de isolamento geográfico e defesa poderosa tinha lhe poupado a devastação de todos os conflitos em que se envolveu no século XX, contemplou, naquela manhã, o inimaginável: um ataque dentro de casa.

Os alvos eram prédios-símbolos do domínio americano, seja militar (Pentágono), econômico (World Trade Center) e político (o mal-sucedido ataque a um prédio em Washington, potencialmente a Casa Branca ou o Capitólio). A Guerra ao Terror declarada pelo então presidente George Bush, em resposta aos ataques, mudou radicalmente o contexto geopolítico do mundo e um dos primeiros setores a perceber esse impacto foi a mídia e as artes.

Dentro do espectro artístico, o cinema, em especial o comercial, responde de maneira mais rápida à demandas políticas por estar mais diretamente ligado a grandes empresas e por seu potencial de distribuição em massa, o que o torna alvo de atenção por parte do governo.

Além da influência governamental, há também, claro, a necessidade comercial de produzir filmes compatíveis a uma audiência traumatizada. Foi pensando nisso que vários filmes foram alterados e largamente refilmados na época dos atentados. O maior exemplo disso foi “Homem-Aranha” (2002), do qual todas as aparições dos prédios destruídos foram deletadas.

Esse exemplo sozinho mostra duas das principais consequências iniciais do episódio para o cinema americano. Uma foi a alteração de filmes para evitar trazê-lo à tona: “Zoolander” (2001) removeu digitalmente as torres e “Homens de Preto II” (2002) refilmou seu clímax final inteiro, que se passaria no World Trade Center, na Estátua da Liberdade.

Enquanto essa prática findou com o lançamentos dos longas ainda em produção em 2001, a outra é diretamente responsável pelo calendário de filmes atual. O sucesso de  “Homem-Aranha” e a necessidade dos estúdios de lançar produções escapistas desencadeou a febre por heróis que vemos hoje, culminadas nos universos cinematográficos Marvel e DC. A fantasia, com o sucesso de “O Senhor dos Aneis” (2001-2003), também se viu promovida por grandes estúdios que queriam sucessos desconectados da realidade.

Enquanto isso, o cinema também manteve produções como “Falcão Negro em Perigo” (2001), por serem capazes de trazer a opinião pública do mundo para o lado estadunidense do conflito. Esse pensamento ecoa em produções posteriores como “Guerra ao Terror” (2008), que levou o Oscar de Melhor Filme, e mesmo o recente “Sniper Americano” (2014).

Nesse filmes, em que a ação se passa no mundo em que conhecemos, vilões do Oriente Médio herdaram o manto dos russos dos tempos de Guerra Fria e se tornaram o novo clichê. Tornou-se lugar comum um vilão árabe no cinema pós-11/9, como os vistos em “Syriana – A Indústria do Petróleo” (2005), o que torna um filme como “Voo United 93” (2006), bancado por um grande estúdio (Universal), ainda mais poderoso, por se aventurar na mente dos terroristas e tocar na ferida diretamente, dramatizando a história do atentado em Washington que não deu certo. Além disso, a figura do terrorista enquanto alegoria do vilão movido por ideologia e não por interesses financeiros, se infiltra claramente, por exemplo, em todos os antagonistas da trilogia Batman (2005-2012) dirigida por Christopher Nolan.

O final da década de 2000 viu o cinema americano criar mais coragem para mencionar as mazelas da América pós-terror, mas mais em seu braço independente. Enquanto grandes estúdios, à exceção de “Voo United 93”, se concentravam em filmes brandos e extremamente patrióticos, como “As Torres Gêmeas” (2006), produções como “Esperança e Preconceito” (2005) e “Southland Tales –  O Fim do Mundo” (2006) surgiam em festivais, questionando o ranço social e a paranoia institucional deixados pelo 11 de setembro.

Por fim, talvez a maior consequência dos atentados seja a consciência despertada em Hollywood sobre o seu potencial e seu papel no mundo. Quando os atentados aconteceram, um comentário comum era de que parecia coisa de filme. Pelo seu impacto, artistas chegaram a comparar a tragédia a uma obra de arte (e foram rechaçados pela opinião pública por isso).

O que é inegável é que os atentados foram planejados visualmente e há uma clara intenção de que eles fossem assistidos, para o máximo terror. Para Hollywood, que tinha povoado os anos 90 com filmes de destruição total como “Armageddon” (1998) e “Impacto Profundo” (1998), até onde iria a parcela de culpa? Substitua raios por aviões e “Independence Day” (1996) se tornará quase um prelúdio dos ataques.

A verdade é que a dimensão da destruição apresentada no 11 de setembro, como bem disse o artista britânico Damian Hirst em uma entrevista para a BBC, “mudou nossa linguagem visual”. É largamente por conta dele que vemos os destroços de cidades em filmes “Batman vs Superman:  A Origem da Justiça” (2016), por exemplo. Essas produções mostram que, mesmo não referenciando diretamente, o cinema, mesmo quinze anos depois, ainda encontra um jeito de lembrar e reconfigurar aquela trágica manhã, recriando, reanalisando, um frame de cada vez.